A Marinha do Brasil publicou recentemente uma nota oficial destacando os impactos econômicos, psicológicos e sociais dos jogos de apostas online. A nota, publicada em Boletim Interno que é disribuido para todos os militares, deixa evidente que a força naval está preocupada com as consequências dos jogos online sobre os militares. A instituição não apresentou números ou dados sobre superendividamento de militares ou outros problemas causados pelos jogos online.
A instituição alertou para alguns perigos da compulsão associada a essas práticas, cada vez mais comuns no país, que podem levar ao endividamento, isolamento social, conflitos familiares, redução de produtividade e, em casos graves, ao desenvolvimento de transtornos mentais como depressão e ansiedade. Segundo a nota, os jogos de azar possuem um forte apelo financeiro, pois prometem retornos rápidos e elevados, mas frequentemente resultam em prejuízos graves, criando um ciclo de perdas e tentativas de recuperação que afeta significativamente a vida pessoal e profissional dos envolvidos.
Veja a nota completa da marinha do Brasil sobre jogos online
Jogos de aposta não são uma novidade nas sociedades humanas. Existem evidências de apostas em registros mesopotâmicos, em jogos semelhantes ao lançamento de dados. Na Grécia antiga e no império Romano, apostas também eram comuns em eventos esportivos. Na idade média, os jogos de apostas se popularizaram e surgiram casas de apostas nas quais não só o entretenimento era um fator importante, mas também se tornaram centros sociais. Além disso, no século XVI, surgem as primeiras loterias ligadas ao Estado. Uma das cidades mais famosas do mundo, Las Vegas, cresceu significativamente na década de 1930, quando a maioria dos estados dos Estados Unidos proibiram jogos de aposta, mas o estado de Nevada os liberou, sendo um dos principais fatores para o crescimento da cidade em questão.
Mas quais fatores estão envolvidos em um comportamento que acompanha as sociedades humanas por milênios? Um ponto a ser abordado é o social. Atualmente, 68% dos clubes de futebol das séries A e B do Campeonato Brasileiro têm como seus maiores patrocinadores Casas de Aposta. Até mesmo torneios inteiros, como a Copa do Brasil, são patrocinados por esse tipo de instituição. Não à toa, apostas esportivas já movimentam valores de 1% do PIB. O marketing é um fator muito relevante para o comportamento de consumo da população e, nesse quesito, as casas de apostas têm sido muito bem-sucedidas.
O fator econômico é central nas apostas, uma vez que a pessoa espera um retorno maior do que o valor investido, em poucos minutos, até mesmo segundos. Alguém que apostou alguns poucos reais pode ter retorno centenas de vezes maior. Isso é bem relevante uma vez que o dinheiro pode ser considerado um “Reforçador Universal” do comportamento, pois com ele é possível se conseguir quase tudo disponível na sociedade. Pense na quantidade de coisas que as pessoas podem adquirir com dinheiro: comida, moradia, educação, saúde e toda sorte de bens e serviços disponíveis.
Fatores psicológicos
Também há fatores psicológicos importantes associados. Um ponto importante é que, virtualmente, todo apostador já ganhou “muito dinheiro”, o que mantém o comportamento ao longo do tempo, apesar das perdas. Uma coisa que todo apostador pensa: em algum momento, no saldo do aplicativo, havia milhares de reais disponíveis para saque, mas ele só não “soube o momento de parar”. A excitação de ver o valor dobrar, triplicar, multiplicar 10 vezes, prolonga o comportamento. E, uma vez perdido dinheiro, o desejo de recuperar todo aquele valor faz com que a pessoa busque outras fontes de “financiamento” para continuar apostando valores cada vez mais altos, muitas vezes dando início ao processo de endividamento. Isso que afeta significativamente, não só a vida financeira, mas também social, familiar, laboral e a saúde mental. Nos casos em que nos deparamos com tais prejuízos, podemos dizer que o hábito de jogar tornou-se patológico, constituindo um transtorno mental.
Para o jogador patológico, a ansiedade de saber se vai conseguir pagar as contas do mês seguinte, os empréstimos, a necessidade de esconder a realidade dos familiares, mentindo sobre a falta de dinheiro, o tempo gasto com as apostas e o consumo de conteúdo relacionado para tentar saldar as dívidas, muitas vezes maior do que o salário. Tudo isso coloca a pessoa em um estado de alerta ininterrupto, deixando de lado família, amigos, trabalho e diversos outros antigos interesses. Isso pode resultar em separação, perda de laços de amizade e diminuição da produtividade no trabalho. Além disso, também pode contribuir para o aumento no consumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas e para outros transtornos mentais como transtornos depressivos e ansiosos. A situação pode chegar ao ponto de o indivíduo não ver mais “saída” para a situação, o que o coloca em risco de suicídio. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), “até metade dos indivíduos sob tratamento para transtorno do jogo tem ideação suicida, e cerca de 17% tentaram suicídio”.
A Marinha do Brasil oferece tratamento em saúde mental para as pessoas que venham a passar por problemas relacionados aos jogos de apostas. O Espaço Consciência e Cuidado (ECC), localizado no Hospital Central da Marinha (HCM), disponibiliza acompanhamento psicológico, psiquiátrico e da assistência social. Para acessar esse serviço, entre em contato com o ECC presencialmente ou pelo telefone (21) 2126-5364.
O texto teve, segundo a marinha, colaboração técnica de 1ºT(RM2-T) Daniel BRAVO Rodrigues
Psicólogo no Hospital Central da Marinha