O que muda com o nova Lei aprovada pelo Senado do Estatuto da Segurança Privada: armas, vigilantes e controle da Polícia Federal
A nova legislação que regula o setor de segurança privada, o exército oculto no Brasil com 597 mil agentes bem preparados e armados, foi sancionada recentemente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Lei 14.967/2024, aprovada pelo Congresso em agosto após 14 anos de tramitação, traz uma série de mudanças importantes, como o controle ampliado sobre as armas utilizadas pelos vigilantes e a definição de critérios para o registro das empresas do ramo.
Essa legislação abrange diversos serviços no setor de segurança privada, como:
- Vigilância patrimonial
- Transporte coletivo
- Proteção de unidades de conservação
- Transporte de valores
- Escolta de bens
- Segurança de eventos, como em estádios e ginásios, onde o serviço privado pode atuar em conjunto com as forças públicas
Além disso, o monitoramento eletrônico por câmeras e a segurança de grandes eventos passaram a ser atividades exclusivas do setor. A Polícia Federal (PF) poderá, inclusive, autorizar o uso de armas em transporte coletivo, uma regulamentação que ainda será definida.
Entre as novas exigências da legislação estão:
- Necessidade de autorização da Polícia Federal para que as empresas operem. A PF foi contatada pela reportagem, mas não se manifestou.
- Proibição de vigilantes autônomos.
- Obrigatoriedade de que as empresas mantenham as armas e munições em locais seguros e controlados, com o registro adequado no Sistema Nacional de Armas, vinculado ao Ministério da Justiça.
- Transferências de armas entre empresas precisam ser autorizadas pela PF.
Nova Lei poderá retirar até 500 mil vigilantes da informalidade e contribuir para a segurança pública
De acordo com a Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transportes de Valores (Fenavist), o novo estatuto poderá retirar até 500 mil vigilantes da informalidade. Atualmente, cerca de 3 milhões de profissionais são formados na área, mas aproximadamente 2,5 milhões atuam de forma irregular ou estão desempregados, segundo a Fenavist.
Especialistas destacam que essa lei pode contribuir para a segurança pública, pois o controle mais rigoroso das armas em uso pelos vigilantes pode evitar que elas caiam nas mãos de criminosos. Além disso, há a expectativa de que vigilantes privados possam colaborar mais ativamente com as forças públicas. Contudo, esses benefícios dependem diretamente da capacidade da Polícia Federal em fiscalizar o setor.
O presidente Lula vetou algumas propostas, como a obrigatoriedade da contribuição sindical e a limitação da participação de estrangeiros no controle acionário das empresas. Apesar de o estatuto proibir vigilantes autônomos e cooperativas, permite que empresas de condomínios contratem seguranças, exceto para o serviço de portaria.
As empresas também precisarão comprovar um capital mínimo que varia entre R$ 100 mil para empresas de monitoramento eletrônico e até R$ 2 milhões para aquelas que operam no transporte de valores. O prazo de adaptação às novas regras será de dois a três anos, dependendo do serviço prestado, com previsão de multas, cancelamento de autorizações e até três anos de prisão para atividades clandestinas com uso de armas.
Especialista no setor sugere exigir ensino médio para vigilantes e alerta sobre o aumento de armas
Para André Zanetic, pesquisador especializado no tema, a nova legislação ainda poderia ter avançado mais em alguns pontos. Ele sugere, por exemplo, que o nível de escolaridade exigido dos vigilantes fosse ampliado. “Atualmente, a exigência é de ensino fundamental, mas seria importante elevar para o ensino médio, como ocorre com a polícia, considerando o risco da atividade”, afirma Zanetic, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).
Ele também ressalta que a ampliação do escopo de atuação da segurança privada inevitavelmente aumentará o número de armas em circulação. “O aumento da circulação de armas pelos vigilantes é uma questão delicada. Há empresas que têm dificuldade em controlar seus arsenais, e isso pode resultar no desvio de armas para o crime organizado”, adverte.
Zanetic ainda aponta que em alguns países há restrições claras quanto ao uso de armas em certos locais, como postos de gasolina e escolas, o que não está previsto na nova lei brasileira. Ele acredita que isso pode facilitar o aumento do número de armas em circulação.
Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, expressa uma preocupação adicional. Segundo ela, o artigo 11 da lei proíbe o uso de produtos controlados de uso restrito, como armas de maior calibre e bombas de efeito moral, mas não especifica claramente em que situações essas armas poderiam ser utilizadas. “Isso pode abrir brechas para que empresas de segurança privada utilizem armamentos de alto poder ou até explosivos”, alerta Carolina.
Outro ponto levantado por Carolina é a falta de participação da sociedade civil no conselho que será criado para supervisionar a implementação do estatuto. “A sociedade civil está mais capacitada do que nunca para participar das discussões sobre segurança no Brasil. Além disso, não há garantia de que a lei conseguirá reduzir a clandestinidade no setor, pois isso dependerá da capacidade da Polícia Federal em fiscalizar adequadamente”, conclui.
Nova Lei aprovada pelo Governo representa uma conquista para o setor e promete resultar na criação de mais empregos
Por outro lado, o presidente da Fenavist, Jeferson Nazário, acredita que o novo estatuto representa uma conquista para o setor. “As empresas agora terão segurança jurídica, o que deve resultar na criação de mais empregos”, diz Nazário. Ele argumenta que a questão da escolaridade dos vigilantes não é um problema, já que o setor já busca profissionais qualificados. “Com o avanço da tecnologia e o crescimento do monitoramento eletrônico, os vigilantes vão precisar se qualificar cada vez mais para disputar essas vagas”, acrescenta.
Nazário também comenta que as empresas de transporte de valores esperavam uma autorização para uso de calibres maiores, algo que ainda será discutido na regulamentação do estatuto. Ele acredita, no entanto, que o porte de armas em transporte coletivo provavelmente não será liberado, exceto em escoltas de longas distâncias.
De acordo com a nova legislação, o transporte de valores deverá ser feito exclusivamente em veículos blindados, com pelo menos quatro vigilantes habilitados, sendo que um deles deverá exercer a função de motorista. O estatuto também proíbe que esses veículos operem entre 20h e 8h, exceto em circunstâncias especiais, que serão definidas em regulamentação posterior.
Estima-se que somente as novas categorias de serviços, como o monitoramento eletrônico, deverão gerar mais de 100 mil empregos
José Boaventura Santos, presidente da Confederação Nacional dos Vigilantes (CNTV), destaca que o principal avanço do novo marco regulatório é o combate às empresas ilegais ou clandestinas, que exploram os trabalhadores e negam seus direitos. “A Polícia Federal e as entidades sindicais terão mais ferramentas para combater a informalidade no setor”, diz Santos.
Ele estima que somente as novas categorias de serviços, como o monitoramento eletrônico, deverão gerar mais de 100 mil empregos. “O estatuto não é perfeito, mas é um avanço importante”, afirma.
José Jacobson Neto, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Segurança (Abrevis), considera que a nova legislação substitui uma lei que já estava desatualizada há quase quatro décadas. “Não resolverá todos os problemas, mas representa uma melhoria significativa”, conclui.
A reportagem do Estadão também procurou o Ministério da Justiça, mas não obteve resposta.