Ao longo dos últimos anos, a cúpula das Forças Armadas, os comandos do Exército, Marinha e Força Aérea, enfrentaram não apenas atritos com a sociedade em geral, mas também com seus próprios quadros de baixa patente, que vivenciaram episódios inesperados e tensos. Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em 2021, quando o então Ministro da Defesa, general de Exército Walter Braga Netto, ordenou a retirada de um vídeo do YouTube direcionado a todos os militares das Forças Armadas.
A mensagem, publicada em alusão ao final do ano, aparentemente pretendia transmitir uma mensagem de união e solidariedade, tentando emplacar a ideia de que estava tudo bem dentro dos quartéis, mas acabou servindo como um painel para exposição do descontentamento dentro das instituições militares federais.
O clima de tensão era, em parte, herança do antecessor de Braga Netto, Fernando Azevedo e Silva, que havia deixado o cargo em março de 2021. Entre os motivos de sua saída estava a ruptura que causou entre a tropa e o então presidente Jair Bolsonaro, ao propor uma reestruturação salarial que aumentou os rendimentos dos generais, mas reduziu os salários dos militares de base. Essa diferença gerou indignação na tropa, alimentando críticas internas e fortalecendo a divisão entre a base e a liderança militar.
Insatisfação com as decisões da cúpula armada
Nos comentários dos militares, fica evidente a insatisfação com as decisões de Fernando Azevedo. Um deles escreveu: “O presidente pagará com a não reeleição, nos iludiu e depois fez o que fez, dizendo que a culpa era das ‘estrelas’. Se muitos de nós que somos da caserna já não votam mais nele, imagine o restante do povo…”. Outro militar, Wagner Coelho, criticou duramente a postura do ministro, destacando que “um general da ativa subir em palanque político é um ato de insubordinação, de acordo com o Estatuto dos Militares”.
O vídeo, que Braga Netto postou semanas após um confronto com parlamentares sobre a Lei 13.954/2019 – a mesma que aumentou o salário da alta cúpula –, foi alvo de críticas severas. A mensagem de confraternização e solidariedade entre os militares foi mal recebida pela tropa e, em razão da enxurrada de reações negativas, o conteúdo foi retirado do ar. Mais tarde, após questionamento da Revista Sociedade Militar, o ministério repostou o vídeo, mas em um novo endereço, numa tentativa de abafar as duras críticas e evitar novos embates públicos.
Alguns comentários de militares que ilustram bem a separação entre tropa e antigo líder político causada pela má condução da reestruturação das carreiras, projeto confiado a Fernando Azevedo. Um dos comentários diz que a má condução da reestruturação das careiras poderia dificultar a reeleição de Bolsonaro, por fazer com que perdesse o apoio da família militar na reserva, que compõe mais de 1 milhão de votos.
“Gamonal (outubro de 2020): O presidente pagará com a não reeleição visto que nos bajulou a vida inteira desde vereador até presidente e fez o que fez e falou que a culpa não foi dele e sim das estrelas e depois nos ameaçou com tom irônico de nos colocar na previdência. Nada e culpa dele, tudo que ele fala fala que não falou e diariamente temos notícias de suas aventuras alucinantes, pelo menos nos faz rir com suas palavras improdutivas. Se boa parte de nós que somos da caserna já não votam mais nele imagina se o povo em massa vai votar. Mas qd ele perder seja para quem for não aceitará a derrota e falará que as urnas estavam fraudadas e não vai querer estregar o cargo igualzinho ao Trump seu grande ídolo. Estaremos entregues ao PT novamente que terminará com o país de vez. Meu Deus ajude o meu país.”
“Wagner Coelho (outubro de 2020): Boa noite, em primeiro parabenizar mais uma vez ao Robson e a revista Sociedade Militar por mais uma matéria de relevância aos seus leitores.
Mas vamos lá, chega ser VERGONHOSO a postura de um Ministro de Estado de forma vexatória e com inverdades. Será que ele não sabe o que significa INSUBORDINAÇÃO? …” ato de se levantar, insurgir contra autoridade ou ordem estabelecida “…No meu entendimento o fato de um GENERAL da ativa subir em um palanque político ou de apoio ao governo, de acordo com o Estatuto dos Militares e pelo Regulamento Disciplinar do Exército é um caso de INSUBORDINAÇÃO, já no caso dos militares da Reserva Remunerada no que tange as injustiças da lei 13.954 que são amparados pela lei 7524/1986, trata-se de INSATISFAÇÃO, insatisfação essa justificável em virtude da quebra de ISONOMIA, PARIDADE e INTEGRALIDADE. Esse Ministro deveria ter vergonha de falar besteira no século XXI, onde nada fica escondido, principalmente no compartilhamento de informações nas redes sociais. Estamos insatisfeitos sim. Um abraço.”
Braga Netto copiou até o erros de seu antecessor. Fernando Azevedo havia deletado os comentários – por conta de críticas dos próprios militares – em um vídeo postado por ele no Youtube em dezembro e 2020.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar