Um poderoso inimigo interno pode estar rapidamente esfacelando as defesas ucranianas, e possivelmente conduzindo o país à capitulação. A situação da Ucrânia na guerra contra a Rússia é complexa e multifacetada, traduzindo-se numa imbricação de fatores militares, políticos e estratégicos que contribuem para a percepção de que o país está enfrentando dificuldades consideráveis na campanha contra a ofensiva de Vladmir Putin. Esse “inimigo interno” faz parte da economia da guerra, mas se chega a atingir proporções volumosas, como está acontecendo com as Forças Armadas ucranianas, torna-se um perigo a curto prazo que pode pôr termo ao combate.
Dependência de apoio externo
A capacidade da Ucrânia de se defender depende fortemente do apoio militar e financeiro de aliados ocidentais, principalmente dos Estados Unidos. Embora bem-vinda, essa assistência naturalmente gera um grau de dependência que acaba limitando a autonomia operacional das forças ucranianas.
As decisões tomadas por esses aliados, especialmente os Estados Unidos e a OTAN, acabam influenciando a bússola no curso do conflito.
Capacidade de adaptação russa
A Rússia tem mostrado uma capacidade notável para se ajustar às condições do campo de batalha, demonstrando eficiência na produção em larga escala de armamentos e na utilização estratégica de suas forças militares.
Essa abordagem inclui explorar vulnerabilidades específicas nas defesas ucranianas, particularmente na área de proteção aérea.
Além disso, o país mantém uma superioridade numérica em termos de tropas e recursos, o que lhe proporciona uma vantagem significativa em poder de combate e resiliência estratégica.
O Poderoso inimigo interno que rapidamente está solapando a Ucrânia
Além dos motivos concretos, relativos a arsenais, logísticas e até mesmo incapacidade de um exército em vencer combates, há uma variável na equação da guerra que deve ser considerado como fenômeno significativo, e que pode até mesmo influenciar drasticamente o resultado de conflitos armados.
O ato de um soldado abandonar suas obrigações militares, muitas vezes em situações de combate não teria peso suficiente para abalar significativamente o moral de uma Força Armada em campo. Visto assim, sob um ponto de vista isolado, pontual e esporádico, a deserção é algo até previsto na economia de guerra. A deserção é natural. Esse comportamento pode ser motivado por uma variedade de fatores, incluindo descontentamento com a guerra, medo, falta de apoio moral ou condições adversas.
Contudo, no caso particular da guerra entre Rússia e Ucrânia, a deserção está comprometendo a capacidade de combate do exército ucraniano, gerando uma escassez de recursos humanos essenciais e paralisando estratégias num momento decisivo do conflito. Esse cenário pode até mesmo deixar Kiev em desvantagem nas possíveis futuras negociações de cessar-fogo.
De acordo com relatos de soldados e autoridades ucranianas, dezenas de milhares de tropas, exauridas e desmotivadas, estão abandonando suas posições na linha de frente, enfraquecendo as defesas e acelerando a perda de território. Comandantes militares relatam que unidades inteiras têm se retirado, deixando as linhas defensivas vulneráveis.
Desafios e consequências da deserção
Segundo reportagem do site Defense News, soldados descontentes buscam licenças médicas e muitas vezes não retornam, atormentados pelos traumas do combate e pela desilusão quanto às perspectivas de vitória. Outros se rebelam contra os comandos, recusando-se a cumprir ordens durante os confrontos.
“Este problema é crítico,” afirma Oleksandr Kovalenko, analista militar em Kiev. “Estamos no terceiro ano de guerra, e a deserção só tende a aumentar.”
Embora Moscou também enfrente deserções, os casos ucranianos revelam desafios estruturais profundos nas Forças Armadas, desde falhas na mobilização até o esgotamento das unidades na linha de combate. Enquanto isso, os Estados Unidos instam a Ucrânia a recrutar mais jovens para o esforço de guerra.
O Impacto das deserções nas linhas de combate
Desde o início da invasão russa em fevereiro de 2022, mais de 100.000 soldados foram acusados de deserção segundo o Ministério Público da Ucrânia. Quase metade dessas deserções ocorreu no último ano, após uma mobilização controversa que, segundo autoridades, falhou em sua execução.
O número de desertores pode ser ainda maior, com estimativas que chegam a 200.000. Muitos deles retornam após licenças médicas, mas enfrentam um estigma emocional profundo, sentindo culpa e raiva pela situação da guerra.
“Falar sobre um problema tão grande só prejudica nosso país,” diz Serhii Hnezdilov, um dos poucos soldados que se manifestou publicamente. Outro desertor compartilha sua experiência de deixar a unidade por motivos médicos, mas ao retornar, encontrar-se paralisado pelo medo e pela perda de amigos.
Ele descreve a realidade do combate: “imagine estar sob fogo, com granadas vindo de todos os lados. Você vê seus amigos sendo despedaçados e percebe que a qualquer momento pode ser você.”
A Fragilidade das linhas defensivas e os efeitos de Vuhledar
As deserções têm transformado os planos de batalha em um desafio constante para os comandantes militares. A falta de disciplina resultou em linhas defensivas comprometidas, com unidades inteiras abandonando suas posições durante os confrontos.
“Devido à má gestão e à falta de vontade política, não estamos conseguindo defender adequadamente os territórios que controlamos,” afirma Hnezdilov. Em setembro, o exército ucraniano registrou uma perda de 4.000 soldados na linha de frente, em grande parte devido a mortes, ferimentos e deserções.
A cidade de Vuhledar, que resistiu por dois anos, foi perdida em semanas devido a deserções e falta de reforços. Um oficial da 72ª Brigada relata que, nas semanas que antecederam a queda, a unidade já estava esticada, com efetivos reduzidos a níveis críticos.
“Deveria haver 120 homens em cada companhia, mas algumas tinham apenas 10 devido a mortes e deserções,” explica o oficial, ressaltando que a porcentagem de desertores cresceu exponencialmente.