Razões imparciais para a guerra na Ucrânia: uma análise do contexto russo
A guerra na Ucrânia é um dos conflitos mais complexos do século XXI. Suas causas, contudo, vão muito além das narrativas simplistas frequentemente divulgadas. De acordo com analistas, o conflito é motivado por uma combinação de fatores estruturais, estratégicos e erros de cálculo. A Revista Sociedade Militar resolveu explorar essas questões.
1. O nacionalismo na Rússia e na Ucrânia
Ambas as nações emergiram como estados independentes em 1991, após o colapso da União Soviética. Esse processo, conhecido como Nationenbildung (construção da nação), é frequentemente acelerado por guerras contra inimigos externos.
- Na Ucrânia: O país buscou romper com seu passado colonial e afirmar sua independência frente ao antigo império russo. Isso incluiu movimentos pró-ocidentais e esforços para se aproximar da União Europeia e da OTAN, vistos por Moscou como ameaças diretas sobretudo à sua esfera de influência.
- Na Rússia: A luta foi enquadrada como uma batalha contra o “globalismo anglo-saxão”. Trata-se de uma narrativa que sustenta que potências ocidentais conspiram há séculos principalmente para desestabilizar e fragmentar a Rússia. Portanto, a guerra na Ucrânia é uma ferramenta para fortalecer o nacionalismo e consolidar o poder de Putin como o líder que defende a soberania russa contra forças externas.
Em resumo, o conflito se tornou uma oportunidade para ambos os lados reforçarem suas identidades nacionais.
2. Manutenção da elite russa
A guerra na Ucrânia também tem raízes na luta pela preservação do poder e da riqueza dentro das elites russas.
A década de 2020 é palco de uma transferência de riqueza massiva entre oligarcas da era de Putin e seus herdeiros. Para garantir que essa transferência ocorra sem interrupções, como golpes ou disputas internas, o Kremlin precisava criar uma situação de emergência nacional que justificasse a centralização do poder.
O conceito de Festung Russland (“Fortaleza Rússia”) ilustra como o conflito é usado para proteger a elite política e econômica do país, consolidando ainda mais o sistema oligárquico-estatal.
Putin, com sua própria fortuna estimada em US$ 150 bilhões, está no centro desse processo. Ao sustentar um estado de guerra, o presidente russo reforça sua posição e impede desafios ao seu poder. Isso garante que as próximas gerações da elite herdem riquezas e privilégios sem ameaças internas.
3. Inteligência falha e arrogância estratégica
Apesar de sua experiência em manipular crises e sua habilidade em consolidar poder, Vladimir Putin subestimou drasticamente a resistência ucraniana e a reação do Ocidente.
- Erro estratégico em 2022: Putin acreditava que poderia repetir o sucesso da anexação da Crimeia em 2014, que ocorreu rapidamente e sem grande resistência. O persidente russo esperava uma vitória fácil ao lançar a invasão, mas foi surpreendido pela determinação ucraniana e pela resposta unificada da OTAN e da União Europeia.
- Arrogância como fraqueza nacional: a confiança excessiva de Putin reflete um traço cultural que é comum na Rússia. O líder russo havia manipulado com sucesso crises anteriores, como a Guerra Russo-Georgiana de 2008 e até mesmo as eleições nos EUA em 2016, o que o levou a superestimar sua capacidade de controlar os eventos na Ucrânia.
O resultado foi uma guerra prolongada contra a Ucrânia que exigiu adaptações constantes e se tornou um exercício épico de controle de danos. No entanto, paradoxalmente, o conflito também ajudou a reforçar a identidade nacional russa e o controle do Kremlin, fortalecendo ainda mais o regime.
As diversas razões por trás da guerra na Ucrânia
Enfim, não é possível explicar a guerra na Ucrânia com um único fator. O conflito é uma confluência de vários elementos:
- O desejo de construir identidades nacionais fortes na Rússia e na Ucrânia.
- A necessidade de preservar o poder das elites russas durante um período crítico de transferência de riqueza.
- Erros de cálculo estratégicos, exacerbados pela arrogância de Putin.
- Embora a guerra tenha causado devastação na Ucrânia e isolamento global para a Rússia, ela também serviu como um mecanismo para consolidar o poder interno no Kremlin e reforçar narrativas nacionalistas.
No fim, o conflito reflete não apenas as decisões de Vladimir Putin, mas também as dinâmicas estruturais e históricas que moldam a política russa.