A crescente adoção das câmeras corporais (COPs) por agentes de segurança pública no Brasil, principalmente policiais militares, tem gerado intensos debates sobre sua utilidade e implicações legais. Apesar de apresentadas como ferramentas para transparência e controle, as imagens captadas vêm sendo utilizadas de maneira questionável, incluindo a exposição indevida na mídia. A prática, além de inquietar os policiais em serviço que se veêm diante da possibilidade de ter suas imagens a qualquer momento aparecendo em um telejornal, levanta sérias preocupações sobre a violação de direitos fundamentais, como o direito à privacidade e à imagem, protegidos pela Constituição Federal e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A confusão entre as finalidades da Lei de Acesso à Informação (LAI) e a LGPD banaliza a proteção legal de agentes de segurança, que também são cidadãos. A situação se agrava com a utilização das COPs para produzir provas contra os próprios policiais, ferindo o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a se incriminar. Este cenário, aliado ao impacto das COPs na dinâmica operacional das polícias, aponta para um problema que transcende a segurança pública, revelando falhas estruturais e políticas.
O texto abaixo, recebido de um colaborador com vivencia no tema, oferece uma visão oportuna e extremamente necessária à discussão, que não pode ser feita tomando como base apenas o prisma sensacionalista utilizadopelas emissoras de TV.
O uso das Câmeras Corporais x Direito de Imagem! A interpretação equivocada do Poder Público!
Assisti estarrecido ao Fantástico no último domingo (Rede Globo – 01/12/2024). Realmente assistir as imagens e vídeos de Policiais Militares expostas gratuitamente foi o ápice de uma aberração jurídica. Enquanto essas imagens captadas pelas COPs deveriam ficar no âmbito judicial e jamais entregues à mídia tendenciosa, foram expostas pela mídia em rede nacional. A exposição indevida desses Agentes de Segurança Pública coloca em risco suas vidas e de seus familiares.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é clara sobre a exposição indevida de dados, informações, imagens e vídeos de todos os cidadãos brasileiros e tem sido aplicada como se os Agentes de Segurança Pública não fossem também cidadãos.
Não podemos confundir a Lei de Acesso à Informação (LAI) com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), banalizando a vida desses profissionais.
As Câmeras Corporais como vem sendo utilizadas são um desperdício ao erário público, que só beneficia marginais da lei. É um erro crasso de pseudoespecialistas quando afirmam que os números de crimes e violências está diminuindo pelo fato da utilização das COPs pelos Policiais Militares. Muito pelo contrário. Os números continuam crescendo vertiginosamente. O que está diminuindo é a ação policial, que prefere prevaricar e responder por isso que agir e ficar preso. O resultado disso tudo é que as COPs junto com a ADPF 635, “engessaram” as Polícias e deixando de agir, obviamente teremos menos mortes decorrentes de intervenção policial.
Outro problema criado com o uso obrigatório das COPs é a produção de provas contra si mesmo. A Constituição Federal tutela o ‘nemo tenetur se detegere’, direito de não produzir prova contra si mesmo, de acordo com o art.5º, LXIII, sem que isso lhe importe consequências jurídicas. Desta forma temos esse imbróglio. As imagens geradas pelo próprio Agente de Segurança Pública deveriam ser usadas para condená-lo?!?
Sendo totalmente contra as COPs, fui redator do texto do Projeto de Lei nº 3583/2023, protocolado em Brasília pelo Deputado Federal Sargento Portugal/PODEMOS-RJ. Dentre outras temas, este PL visa acabar com a operacionalização das COPs do modo que estão sendo utilizada atualmente.https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2301560&filename=PL%203583/2023
Do modo que as COPs estão sendo utilizadas hoje, acaba com o anonimato de quem não quer e não pode ser exposto como Policial Militar, acaba com o Direito de Imagem (protegido pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002), acaba com o Direito à Privacidade (consagrado no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal Brasileira), acaba com a paz e a tranquilidade do Policial Militar, que tem sua identidade exposta para todo o Brasil.
Enquanto marginais da lei são chamados de “acusados” e enquanto fotos e vídeos de marginais da lei não podem mais ser divulgadas, configurando crime de abuso de autoridade, conforme determina a Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, as imagens, vídeos, dados e informações de Agentes de Segurança Pública são divulgadas sem restrições, deixando-os expostos, tirando-lhes a privacidade e violando seus direitos.
Eu, na minha função de subsíndico do meu condomínio, por força de lei, não posso sequer divulgar o nome dos devedores, mas como Policial Militar, não possuo mais direitos e posso ter minhas imagens, vídeos, dados e informações divulgadas pela mídia. A discrepância é tão grande que essa aberração jurídica beira ao inacreditável.
Hoje entendo por que o Estado de Goiás afirma que não irá utilizar as COPs e o Estado de Santa Catarina acaba de descontinuar o uso das COPs e sou solidário a eles.
O PROBLEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL. NÃO É DE POLÍCIA, E SIM DE POLÍTICA.
Adamo Ferreira: Primeiro Sargento da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Criador do #NATADASPRAÇAS, o maior Grupo de Segurança Pública do país. Especialista em Segurança Pública. Instrutor do Banco de Talentos do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Graduado em Segurança Pública pela UFF. Pós-graduado em Direito Militar pelo Instituto Venturo. Pós-graduado em Polícia Judiciária Militar pelo Instituto Venturo.Escritor, Conteudista, Legislador e Articulista.