O vídeo institucional da Marinha do Brasil, lançado em 1º de dezembro em apenas 24 horas de exibição ultrapassou a marca de 50 mil visualizações. Entretanto, não pode-se atribuir esse “sucesso” à uma estratégia bem sucedida de marketing institucional. Na verdade a peça publicitária, parte do plano de comunicação estratégica da Marinha, tem atraído visualizações por conta da curiosidade gerada pela enxurrada de críticas que vem recebendo.
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O vídeo, lançado nesse domingo, na presença do Comandante da Marinha e outras autoridades militares, gerou uma onda de debates e críticas, evidenciando que a complexa relação entre as Forças Armadas e a sociedade civil não está tão amena quanto deveria-se esperar. Divulgado poucos dias após anúncios de cortes orçamentários e medidas para redução de benefícios militares, a peça buscava destacar o trabalho dos militares, contrastando-o com momentos de lazer de civis, e encerra com o provocativo questionamento: “Privilégios? Vem para a Marinha.”
Apesar da evidente intenção de valorizar a carreira militar, o material surtiu efeito contrário e foi amplamente criticado, gerando uma repercussão majoritariamente negativa nas redes sociais e na opinião pública. Especialistas analisaram o impacto da campanha, destacando a desconexão entre a narrativa apresentada e as condições vividas pela população brasileira.
Repercussão Majoritariamente Negativa
Uma análise de sentimento realizada pela Revista sociedade Militar sobre os comentários nas redes sociais, usando uma amostra de 120 comentários postados no perfil da força no Youtube, revelou que 78% das reações foram negativas, 10% positivas e 12% neutras. A maior crítica apontada pelos cidadãos foi a percepção de que o vídeo tentava justificar privilégios, criando uma polarização artificial entre as vidas civil e militar.
Usuários das redes sociais expressaram indignação:
- “A Marinha do Brasil deveria se lembrar que eles só vestem roupas porque tem uma costureira, e que os jeeps só andam porque existem metalúrgicos” (@lucaslopesresende1123).
- “O vídeo é uma resposta aos pacotes de reforma fiscal do governo para corrigir privilégios dos militares, tentando criar um antagonismo entre as atividades militares e da sociedade civil” (@giovanosiqueira2546).
- “A MARINHA FEZ UM VÍDEO DEPRECIANDO O POVO QUE A SUSTENTA!!! O vídeo é uma vergonha, uma afronta, um escárnio além de ter sido feito com o dinheiro dos impostos de toda a sociedade brasileira!!! FIM AOS PRIVILÉGIOS DAS FFAA!” (@danielleserpa_)
Desconexão da realidade mostrada no vídeo da Marinha com a realidade social
Especialistas também destacaram o descompasso entre a mensagem do vídeo e a realidade da maioria dos brasileiros. Para a Professora Carla Teixeira, historiadora militar e coautora do livro Ilegais e Imorais, ouvida pelo Canal UOL, a campanha reforça uma visão elitista e insensível às dificuldades enfrentadas pela população, como transporte público precário, baixos salários e falta de acesso a serviços básicos.
A professora classificou o vídeo como reflexo de um “deslocamento histórico e social”, apontando para a necessidade de as Forças Armadas se alinharem às demandas e percepções da sociedade contemporânea.
Impacto grave na imagem institucional
O impacto do vídeo na reputação da Marinha foi significativo. Comentários indicaram que a narrativa contribuiu para aprofundar o distanciamento entre as Forças Armadas e a sociedade civil. Segundo Carla Teixeira, a campanha comprometeu ainda mais o respeito pela instituição e evidenciou a necessidade de reformas estruturais para modernizar os valores militares, tornando-os mais compatíveis com as necessidades do Brasil contemporâneo.
A campanha reacendeu o debate sobre os benefícios concedidos às Forças Armadas, como pensões vitalícias, aposentadorias precoces e vantagens salariais amplamente criticadas por sua desproporcionalidade. A narrativa do vídeo, que tentava associar sacrifício e risco ao papel militar, foi vista como desconectada de uma realidade percebida por muitos como marcada por privilégios.
Conclusão
O vídeo institucional da Marinha revelou tensões profundas entre a visão que as Forças Armadas têm de si mesmas e a percepção do público. A rejeição generalizada à peça evidenciou a necessidade de um timing correto para emplacar determinados discursos, estratégias de comunicação mais alinhadas à realidade social e de uma abordagem institucional que ao invés de criar conflitos do tipo militar x paisano, promova o diálogo e o entendimento com a sociedade.
Em grupos restritos de militares a peça foi mencionada como verdadeira mas inoportuna. Militares se enxergam como profissionais que arriscam as vidas e têm um quotidiano diferenciado. Mas não fazem menos de profissionais como “os caras que cuidam das redes alta tensão também se arriscam muito, cada um tem sua briga, achei a coisa meio mal colocada“, diz um suboficial.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar