Desde 2023, quando foi sancionada a Lei 14.556, o mês de janeiro é dedicado a campanhas de conscientização sobre saúde mental, com foco especial na prevenção à dependência química e ao suicídio.
No meio militar, as taxas de suicídio são alarmantes. Entre policiais civis e militares da ativa, por exemplo, o autoextermínio cresceu 26,2% em 2023 em comparação ao ano anterior e se transformou na maior causa de mortes de policiais no Brasil, superando as que acontecem em decorrência de confrontos.
Na categoria, o suicídio é 8 vezes maior do que entre a população geral, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Causas do suicídio nas Forças Armadas
De acordo com o estudo O suicídio e suas variáveis no contexto das Forças Armadas do Brasil, as principais causas associadas aos casos de suicídio nos militares da Marinha, Aeronáutica e Exército são pressões intensas, especialmente durante conflitos armados; exigências do trabalho militar; pressão autoimposta; separação da família devido à mobilidade; intensidade do compromisso exigido e o estigma que ainda existe sobre o adoecimento mental.
Número de suicídios nas Forças Armadas
Outro estudo, intitulado Comportamento Suicida nas Forças Armadas, de autoria do então 1º Tenente Aluno Carlos Eduardo Szlachta Patricio e publicado no Rio de Janeiro em 2021 pela Escola de Saúde do Exército, tentou levantar dados de suicídio na Força Terrestre e também na Marinha e Aeronáutica.
O autor sintetizou 22 trabalhos acadêmicos sobre o tema publicados entre 2008 e 2020, mas no fim das contas todos eram do Exército e não foram encontradas informações das outras 2 Forças.
De 2001 a junho de 2004, 64 suicídios ocorreram na Força Terrestre, sendo que 84,36% das vítimas tinham entre 19 e 29 anos e 46,87% estavam em serviço.
De 2010 a outubro de 2016 houve 107 casos de suicídio notificados entre militares. Ao todo, 74% das vítimas tinham entre 19 e 25 anos e 33% delas se autoexterminaram em serviço. Os dados foram obtidos junto ao DCIPAS (Diretoria de Assistência ao Pessoal do Exército).
Já em 2020, um estudo qualitativo feito a partir da entrega de um questionário para 192 soldados constatou que 25,5% deles tinham ideação suicida.
A negativa da FAB
Reconhecendo a importância da campanha, o portal Sociedade Militar procurou a Aeronáutica para conversar com um especialista sobre fatores como principais aflições das tropas, sinais de alerta e como procurar ajuda, mas a corporação informou numa ligação telefônica em 15 de janeiro que estava sem porta-voz no momento para falar sobre o assunto.
A Aeronáutica foi a escolhida, pois mantém o IPA (Instituto de Psicologia), que tem como missão oferecer suporte especializado às Organizações Militares e ao pessoal das Forças Armadas.
Cabe ao IPA desenvolver o PVV (Programa de Valorização da Vida) que orienta, conscientiza e sensibiliza o público-alvo para prevenir o suicídio. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), 9 em cada 10 mortes causadas por autoextermínio podem ser evitadas, a partir da oferta de ajuda voluntária ou profissional.
Diante da falta de um porta-voz, o portal Sociedade Militar recorreu à cartilha do Programa de Valorização da Vida, 2ª edição, de 2023, para ter embasamento técnico para construir a reportagem.
Apesar da negativa, o estudo de Patrício deixou claro que a partir da criação do PVV, em 2016, o tema de saúde mental no meio militar passou a ganhar destaque significativo. A quantidade de publicações acadêmicas que aconteceram após o ano em questão é um dos fatores que evidencia a importância da iniciativa.
Além disso, no estudo revisitado pelo então 1º Tenente Aluno sobre a importância da religião para prevenção do suicídio no Exército, foi constatado que desde que o PVV foi criado o número de suicídios entre militares teria caído 50%.
Existem fatores de prevenção ao suicídio?
Existem alguns fatores – os chamados fatores de proteção – que ajudam a proteger, impedir ou retardar um indivíduo de atentar contra a própria vida.
Alguns deles são:
– Participar de algum grupo social, como igreja ou ONG
– Ter senso de pertencimento
– Autoestima equilibrada
– Ambiente de trabalho saudável
– Acesso à saúde
– Manter vínculos afetivos
– Desempenhar atividades que tragam sentido à vida
– Expressar sentimentos e se comunicar
– Construir um projeto de vida com metas alcançáveis
– Fazer atividades de lazer e esportes
– Conseguir pedir ajuda
Entretanto, nem todas as pessoas possuem essas características psicológicas, condições sociais ou culturais e acabam ficando mais suscetíveis aos pensamentos suicidas.
Fatores de risco para o suicídio
Muitos fatores podem contribuir para a ocorrência do suicídio, como problemas familiares; transtornos psiquiátricos; histórico de tentativas prévias; uso abusivo de álcool e drogas; perdas importantes; ocorrência de doenças incapacitantes ou incuráveis; abuso físico, sexual ou psicológico; desilusão amorosa; perda de emprego; endividamento e vivência de situações traumáticas, como acidentes.
Na maioria dos casos, o indivíduo que atenta contra a própria vida quer se livrar da dor e da angústia causadas por esses fatores. As emoções podem chegar a níveis intensos e insuportáveis, culminando em desamparo e desesperança.
Sinais de alerta
– Isolamento
– Abuso de álcool, drogas ou medicamentos
– Raiva intensa, busca por vingança, irritabilidade e tristeza constante
– Comportamentos de risco, como dirigir perigosamente
– Mudanças bruscas de comportamento e humor
– Mudanças nos hábitos de higiene, alimentação e sono
– Pensar frequentemente sobre a morte
– Perda de interesse por atividades antes prazerosas
– Comportamento de indisciplina no trabalho e baixo desempenho
– Textos e falas em tom de despedida
O que fazer se você perceber que alguém pode estar pensando em suicídio?
1) Identifique possíveis meios letais no ambiente onde o indivíduo se encontra e retire-os da proximidade. Exemplos: armas de fogo, medicamentos, produtos químicos e objetos cortantes
2) Escute com atenção a pessoa em crise. Ouça tudo o que a aflige e reforce aspectos positivos da vida, sem julgamento ou juízo de valor
3) Faça contato com familiares ou pessoas próximas
4) Informe-se se a pessoa está fazendo acompanhamento de saúde com psiquiatra ou psicólogo e procure o profissional para relatar o ocorrido
5) Assegure-se que a pessoa está sendo acompanhada até o hospital, para garantir a segurança dela
Mitos sobre o suicídio
Muitas crenças falsas sobre o assunto são disseminadas pela sociedade, contribuindo para toda a nebulosidade, estigma e tabu existentes.
As principais crenças errôneas são:
– Falar sobre suicídio dá ideia de suicídio: Falso, pois não é possível provocar comportamento suicida com perguntas sobre o estado emocional
– Quem fala que vai se matar quer chamar atenção: Falso, pois em geral as pessoas que pensam em tirar a própria vida dão sinais. No fim das contas, elas não desejam morrer, mas sim interromper a dor. A morte é só um meio
– Quem tentou se matar não tenta mais: Falso, pois as tentativas anteriores são fator crucial para novas situações de risco
– Tentar se matar é covardia: Falso, pois o que dirige a ação suicida não é falta de coragem e sim dor psíquica insuportável
– O suicídio só acomete certos tipos de pessoas: Falso, pois apesar de algumas situações de vulnerabilidade pesarem para as ocorrências, todas as pessoas estão suscetíveis
Está com pensamentos suicidas? Veja o que fazer
– Entre em contato com o Centro de Valorização da Vida pelo telefone 188. A ligação é gratuita e o CVV fica disponível 24 horas por dia
– Procure o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e Unidades Básicas de Saúde mais próximas
– Em caso de emergência, vá para uma unidade de Pronto-Atendimento ou Hospital