Do blog particular de Robson Augusto – https://robsonaugustto.blogspot.com/
Nos últimos meses tenho recebido ligações de vários jornalistas conhecidos, buscam alguém que desvende o que se passa na mente militar. De fato a maior parte dos profissionais de imprensa fica com um imbróglio na cabeça por não entender absolutamente nada sobre hierarquia e disciplina e – principalmente – por desconhecer o ethos militar, que é construído desde a infância militar nas academias e centros de formação e que é o que define as ações e reações dos militares das Forças Armadas diante dos diferentes cenários do quotidiano.
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Quem conhece a fundo o ethos certamente prevê com exatidão o que está por vir.
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Tenho fornecido para a imprensa o contato de vários líderes que considero relevantes no que diz respeito ao momento atual, passando por pensionistas, sargentos e generais. Mas, como sabem que sou militar da reserva e sociólogo, que trabalhei como jornalista em alguns jornais e que gerencio a parte de conteúdo da HOJENAWEB ASSESSORIA E COMUNICACÃO, empresa que administra a Revista Sociedade Militar, alguns acabam pedindo a minha opinião.
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Quase sempre a opinião solicitada está em torno dos próximos passos de líderes militares ligados ao governo e o que a família militar das três forças pensa sobre assuntos como o governo Bolsonaro, reestruturação das carreiras, a questão do desarmamento x liberação de armas e as “tendências políticas” dos graduados na reserva residentes no Rio de Janeiro.
Abaixo algumas questões colocadas por jornalistas da Época, Globo, Valor Econômico, Gazeta do Brasil, Associated Press, Fórum, SUL21 etc. e algumas das minhas respostas. É a minha visão particular das coisas, não reflete a linha editorial da Revista Sociedade Militar, obviamente.
Há na cúpula das Forças Armadas oficiais insatisfeitos com o excesso de militares no governo ou há apoio irrestrito a esse êxodo de militares da ativa para o Palácio do Planalto?
Há sim oficiais insatisfeitos quanto a se “misturar” com o governo, mas não há esse êxodo de militares da ativa. Poucos são os militares da ativa em cargos nesse momento.
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É certo que grande parte dos oficiais generais hoje na ativa jamais simpatizou com Jair Bolsonaro e que não era bem vindo em muitos quartéis até há pouquíssimo tempo. A força que dava maior abertura para Bolsonaro era a Marinha do Brasil, o atual PR comparecia muito a cerimônias militares ligadas a graduados.
A presença de Bolsonaro se intensificou nos quartéis quando a polarização esquerda x direita cresceu no país, de cinco anos pra cá. Militares políticos nunca foram bem vistos em nenhuma das Forças, eram movimentados pra longe de seu eleitorado, punidos de forma disfarçada com conceitos baixos etc.
Alguns oficiais que eu pessoalmente ouvi acreditam que há superexposição, que as instituições militares já estão exageradamente ligadas ao governo e que o presidente eventualmente usa o alto status das forças para elevar o seu próprio. A sobriedade dos generais contrasta com a intempestividade do presidente, isso é obvio e alguns acham que a coisa se tornou perigosa a ponto de um possível fracasso desse governo levar a dificuldades de relacionamento das FA com a classe política no futuro próximo.
Há possibilidade de “intervenção” militar caso seja eventualmente aberto um processo de impeachment?
Não, não há qualquer possibilidade de que isso aconteça. Não há fragilidades democráticas nas relações civis-militares, a coisa está bem especificada, já consolidada e todo mundo que escreve há algum tempo sobre esse assunto sabe muito bem disso. Essa aparente insônia, repito – aparente – manifesta por alguns membros da imprensa, me soa, desculpe a franqueza, como tentativa de criar uma narrativa, de se criar uma expectativa na sociedade e – consequentemente – um assunto pra “vender jornal”.
Numa situação hipotética em que Bolsonaro fosse afastado, assim como ocorreu com Collor e Dilma Rousseff, as Forças Armadas permanecerão cumprindo suas destinações constitucionais ao lado do presidente da república até o último minuto e se afastarão no momento exato em que isso for determinado pelos poderes constituídos. Independente de possuirmos ou não um vice-presidente ligado as Forças Armadas é inconcebível essa história de tanques na rua, congresso fechado etc. Todas as mentes pensantes das instituições militares e principalmente quem faz parte do grupo que tem realmente poder de decisão, sabem muito bem que em pleno século XXI esse tipo de coisa sequer se discute.
Ninguém cogita ser o responsável por atirar o país no caos e o que se acredita é que a sociedade deve aprender a resolver os seus próprios problemas sem a ajuda de um “irmão maior” todas as vezes que se enxerga em um beco sem saída.
O General Villas Bôas dizia muito que a sociedade brasileira não precisa mais ser tutelada. Suas falas refletem o pensamento da cúpula das forças.
Há um clima de insatisfação nas forças armadas por causa da reestruturação das carreiras?
Não, não há clima de insatisfação, mas também não há a euforia esperada para a “era Bolsonaro”. A reestruturação das carreiras beneficiou principalmente a cúpula das Forças Armadas e algumas poucas categorias de militares subalternos na ativa, isso é fato.
A Revista Sociedade Militar recebeu vários holerites de militares de baixa graduação e de pensionistas, pessoalmente atestei que houve decréscimo em pagamentos. Portanto, sei que a maior parte dos militares na reserva e principalmente pensionistas saiu perdendo muito, principalmente graduados e oficiais em postos abaixo de capitão porque a reestruturação ao invés de criar um aumento de salário que alcançasse todos – bastaria para isso um percentual sobre os soldos, expressão máxima da chamada meritocracia – estruturou a coisa de forma que só recebesse todas as vantagens previstas na nova lei quem fizer ou já tiver feito os novos cursos – criados nos últimos três anos já visando esse projeto.
Basta um pouquinho de trabalho, compare bilhetes de pagamento de 2019 e 2020 de um general com o de um cabo na reserva e depois me digam quem ficou com o maior percentual de aumento de salário.
Por isso foi por nós usada ainda em 2019 a palavra penduricalhos, que é uma maneira usual para se definir uma forma “paralela” de criar vantagens para algumas categorias, driblando congresso, TCU e até a “super atenta” grande mídia.
Isso já ocorreu no passado, na conhecida questão dos 28.86%, quando os generais foram os que receberam os maiores reajustes. Alguns graduados conseguiram reaver essa perda na justiça, que aceitou a tese de que os generais tentaram “se dar bem”. Todavia, a maior parte da tropa está no prejuízo até hoje. No passado o próprio Jair Bolsonaro queria legalizar as associações e falou várias vezes contra privilégios dos generais. Disso tudo vem a certeza da família militar de que a cúpula das Forças Armadas não hesita em legislar em causa própria se tiver liberdade para isso.
As camadas médias das Forças Armadas estão agora posicionadas contra Jair Bolsonaro?
Aí entra o chamado Ethos militar. O militar de carreira está habituado a discordar de uma ordem e mesmo assim cumpri-la sem necessariamente criar ressentimentos contra quem a emitiu.
Estamos acostumados com o não, sem necessariamente significar que deixaremos de arrazoar se houver oportunidade. Portanto, agora sob o aspecto que te interessa, inexiste na família militar, salvo raríssimas exceções, essa historia de se passar para outro lado do espectro político só por conta de insatisfação ou de discordar em um ou dois itens da enorme lista que compõe uma visão de mundo.
Seguramente a maior parte dos militares na reserva estão insatisfeitos com os posicionamentos de Jair Bolsonaro no que diz respeito à reestruturação das carreiras (que na verdade deveria se chamar de reestruturação dos salários), mas continuam o apoiando em relação ao seu projeto para o Brasil. Assim como muitos oficiais e graduados da ativa e reserva, apesar de reprovar seus posicionamentos em relação à pandemia, continuam o apoiando em outras questões.
Na questão eleitoral a coisa é um tanto quanto obvia. Muitos daqueles que criaram certo ranço contra Jair Bolsonaro, a ponto de se gritar “traidor” no Congresso Nacional, vão se candidatar e precisam dos votos da família militar pra ser eleitos. O eleitorado de esquerda tradicionalmente não enxerga com bons olhos a profissão militar e – portanto – a maior parte dos votos dos candidatos militares vêm da sociedade conservadora que – pelo que se sabe – apoia Jair Bolsonaro. Se posicionar contra o governo a essa altura do campeonato é algo visto pela maioria das lideranças como uma espécie de suicídio eleitoral.
Os militares graduados podem se revoltar contra os comandos, há possibilidade de quebra de hierarquia?
Isso é impossível. Houve sim muita indignação com certas manifestações da defesa no sentido de tentar impedi-los de expressar sua opinião. Na minha ótica as Forças Armadas cometeram erros nesse processo, como quando publicaram notas informando que “opiniões distorcidas” sobe a reestruturação poderiam ser enquadradas disciplinarmente ou quando disseram que militares da reserva não poderiam se manifestar coletivamente. Foram equívocos, na minha ótica declarações absurdas e jogadas políticas desleais que fizeram com que o governo tivesse maior facilidade em aprovar seu projeto.
Uma caminhada dos militares marcada para a segunda quinzena de agosto de 2019 foi cancelada porque alguns militares se sentiram desconfortáveis debaixo de acusações de indisciplina. O ato certamente teria mostrado para a imprensa os tais penduricalhos que só apareceram agora, em meados de 2020, depois de aprovado o projeto.
A DEFESA não se manifestou sobre os generais que descumprem o tempo todo o Estatuto dos Militares. O artigo 28 do Estatuto diz que é proibido usar as designações hierárquicas quando em cargo público, cargo político ou para discutir assuntos políticos na imprensa. Há vários generais na Câmara dos Deputados que tem seu nome político precedido da designação hierárquica. General Fulano e general beltrano. Obviamente para um deputado civil, em plena disputa pela aprovação de um projeto do governo, a disputa entre um graduado e um general soa como indisciplina, afronta a hierarquia. O uso da designação hierárquica pelos deputados Girão e Peternelli atrapalhou muito àqueles que queriam modificar o projeto de lei.
Manifestações coletivas de militares sempre ocorrem, como as convocadas pelo Clube Militar do Rio de Janeiro contra a presidente Dilma e as realizadas no ano passado em apoio a Bolsonaro. Durante a tramitação do projeto da reestruturação ocorreram manifestações no Rio de Janeiro, mas chamaram pouca atenção da mídia e – obviamente – ninguém foi punido porque não é ilegal. Sobre quebra de hierarquia, os militares que participaram dessa movimentação toda sabem muito bem que foi uma disputa política e na verdade surpreenderam muito as forças armadas quando combateram no Congresso Nacional e discutiram com propriedade as questões sobre remuneração sem em nenhum momento afrontar os regulamentos ou a ética.
Pelo que sabemos o espírito de corpo e o moral da tropa na ativa e reserva permanecem em patamares altos. As questões profissionais, relacionadas estritamente ao serviço, ficaram bem longe da disputa política.
Robson Augusto é Militar R1, Cientista Social e jornalista.