“sargentos, cabos e soldados devem ter todo o direito de formar sindicatos e associações, participar ativamente da política nacional, inclusive através de partidos políticos… Devem ter inclusive o direito de escolher o comando das Forças Armadas, através de eleições.” (Partido da Causa Operária – set/2019)
A confusão é generalizada. O nomes de oficiais do alto escalão das Forças Armadas não cessam de ser mencionados na grande mídia e a cada oficial general derrubado pela ala ideológica bolsonarista surgem novas denúncias, comentários de bastidores e novas revelações indicando que as Forças Armadas podem romper definitivamente com Jair Bolsonaro. Chico Alves, do UOL, diz que há “sinalização de que os militares de alta patente podem desfazer a parceria com o presidente“.
Tudo isso poderia ter sido evitado se a cúpula seguisse as orientações dadas desde sempre, os velhos conselhos sugerindo que militares não se envolvam com política e que – caso o façam – não carreguem consigo o nome das Forças Armadas, se abstendo completamente de utilizar patentes de general, coronel ou qualquer outra como forma de angariar status político.
Ainda em março de 2019, durante a tramitação do Projeto de Lei 1645, exatamente 55 anos depois das manifestações de graduados de 1964 e apenas três meses depois de Jair Bolsonaro ter tomado posse, as Forças Armadas estavam vivenciando sua primeira grande crise do século XXI, esta novamente relacionada à questões políticas envolvendo conflitos de opinião entre graduados e baixa oficialidade com a cúpula das instituições.
Sempre atento, o site DEFESANET em 16 de agosto de 2019 publicou nota sobre a crise alertando para o risco de um TSUNAMI que poderia abalar as estruturas da caserna.
Em 1963, passado não tão longínquo, os sargentos lutaram para – depois de eleitos – terem o direito de assumir seus mandatos, em 1964 os marujos lutavam por cidadania e direitos simples, como casar sem pedir permissão, andar a paisano na rua e um horário mais flexível para estudar, mas a falta de habilidade política, de flexibilidade dos comandos, acabou por permitir que reivindicações simples de um pequeno grupo se transformassem em grandes crises. Em 2019 e 2020 testemunhou-se situações bastante semelhantes às ocorridas no passado, graduados que se sentem prejudicados e excluídos de alguns direitos que alcançam a oficialidade se unem e lutam por aquilo que acreditam que é justo.
O relator do polêmico projeto de lei 1645/2019, deputado Vinícius de Carvalho, logo no início do processo chegou a admitir em público que havia sido escolhido pelos próprios comandantes das três forças, surgiram questionamentos sobre intromissão indevida e ilegal do Executivo no Legislativo, já que as Forças Armadas não tem o direito de escolher o relator de um projeto de lei e com isso logo no início da coisa já surgia a desconfiança de que uma das partes jogava com deslealdade o jogo político na Câmara dos Deputados. Um advogado – Adão Farias – chegou a usar a palavra TRATORAR para definir o modus operandi do Ministério da Defesa no Congresso Nacional.
O previsível apoio da esquerda
Como previmos ainda no início da tramitação do projeto de lei 1645/2019, diante da negativa em se formar sequer uma mesa de discussão com a defesa incluindo graduados e pensionistas, a aproximação da esquerda seria – exatamente como aconteceu em 1963/1964, praticamente inevitável, até natural.
Dito e feito, como ocorreu em crises anteriores, os militares foram novamente abraçados por partidos de esquerda, como PSOL e PDT, e em agosto de 2019 quem investiga a movimentação política relacionada aos militares pôde notar que a extrema esquerda do país não só acompanhava de perto o desenvolvimento da crise entre graduados e alta oficialidade das Forças Armadas, mas tentava orientar as ações por meio de artigos publicados em diversos sites e revistas online.
A Nova Democracia, jornal ligado a extrema esquerda, mencionando a Revista Sociedade Militar e nos definindo como “reacionária e ligada a setores da baixa oficialidade”, disse, em setembro de 2019:
“… acirram-se as contradições no seio do Exército Brasileiro” e “Isso se mantém atualmente, inclusive por tradição oligárquica familiar, de manutenção do poder. A família Theófilo Gaspar de Oliveira tem militares que remontam desde o I Império, se mantendo até os dias atuais, com cinco irmãos, dois deles generais, como o General Manoel Theophilo Gaspar de Oliveira. A família Mourão (representada pelo vice de Bolsonaro) não escapa da tradição, com o pai do general Hamilton Mourão, que possui o mesmo nome… os antigos proprietários de terra, por meio de seu poder político, foram garantindo os privilégios de seus descendentes por meio de patentes de altos oficiais.”
Em março de 2019 o Partido dos Trabalhadores emitiu uma RESOLUÇÃO para todos os parlamentares e filiados, onde dizia: “O Governo Bolsonaro em seus quase 90 dias tem sido marcado pelo caráter antidemocrático, autoritário, extremamente reacionário… O (PL 1645/2019) amplia ainda mais as distorções entre os militares… ”.
O PSOL entrou com força na luta por mudanças no projeto de lei por meio da atuação dos Deputados Glauber Braga e Marcelo Freixo, ambos do Rio de Janeiro, que defenderam as bandeiras dos graduados e quase conseguiram de fato levar a discussão do então PL1645 para o Plenário do Congresso Nacional. Os parlamentares chegaram a receber críticas de correligionários que não compreendiam muito bem os motivos dessa aproximação com as camadas médias e baixas das Forças Armadas. Suboficiais que circulavam na Câmara na época narram que a poderosa cúpula da defesa que circulava pelo CONGRESSO NACIONAL mostrava-se aterrorizada diante da possibilidade de perder a guerra legislativa para “simples graduados” sem qualquer estrutura financeira/institucional.
O PDT levantou a bandeira dos graduados por meio do deputado Paulo Ramos (PDT-RJ), que recebeu grupos de suboficiais e sargentos e honrou até o fim suas promessas de lutar para que itens do então PL1645 fossem derrubados nas comissões. Mesmo depois do projeto de lei aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados o parlamentar carioca, policial aposentado, apresentava requerimentos com abaixo-assinados solicitando a apreciação pelo Plenário.
Aproximação sutil, mas eficaz
Contudo, de todas as aproximações talvez a mais importante seja a que passou mais despercebida, esta ocorreu em agosto de 2019, quando o tabloide de esquerda do partido da Causa Operária, que abarca membros fundadores do PT e da CUT e é um dos principais orientadores das ações da esquerda radical em São Paulo, publicou textos sobre sindicalização militar, o material era uma sinalização clara de que a esquerda brasileira apoiaria os militares que decidissem enveredar por esse caminho.
O primeiro texto – propondo a sindicalização militar e até a exigência de eleições para escolha dos comandos militares – foi publicado em 22 de agosto. Um segundo material – na mesma linha – foi publicado em 31 de agosto.
“Entende, o PCO, que os militares são antes de tudo cidadãos como quaisquer outros, e devem ter os mesmos direitos que qualquer outra pessoa. Ao contrário do que abusivamente determina o alto-comando das F.As, sargentos, cabos e soldados devem ter todo o direito de formar sindicatos e associações, participar ativamente da política nacional, inclusive através de partidos políticos… Devem ter inclusive o direito de escolher o comando das Forças Armadas, através de eleições… ”
“Os praças estão sendo levados a entender também que a vaga noção nacionalista que é incutida nos quartéis não passa de uma abstração demagógica, cujo objetivo é manipular pessoas do povo para aceitarem salários de fome e um tratamento absolutamente indigno justamente para servir aos interesses dos setores mais opressivos e entreguistas da burguesia. Inclusive o imperialismo norte-americano…”
Poucos poderiam imaginar que parte das sugestões do Partido da Causa Operária seriam colocadas em prática em apenas 1 ano. Várias imagens e vídeos já circulam pela rede mostrando que um sindicato militar foi registrado no Distrito Federal.
Um sindicato é – por sua própria natureza – um adversário da classe patronal, nesse caso em especial a classe patronal é o comando político das Forças Armadas, o Ministério da Defesa, subordinado ao governo conservador e direitista de Jair Bolsonaro. O alinhamento com a proposta do Partido da Causa Operária pode indicar que pelo menos parte das associações de graduados nesse momento, de forma consciente ou não, se movimenta para a esquerda.
Advogado especializado em causas militares e presidente de um Instituto de Direito Militar foi consultado pela Revista Sociedade Militar nesse sábado, 2 de novembro de 2020. Sobre o assunto “sindicato militar” o Dr Cláudio Lino disse que é importante estar atento e ter muito cuidado com esse tipo de mobilização porque – sendo inconstitucional – pode acabar lançando sobre as associações de militares já existentes, como o Clube Militar e a AMIGA, por exemplo, que nada têm a ver com sindicalização, o estigma de sindicatos disfarçados.
Alguns líderes de associação de graduados, defensores da criação do sindicato militar, por interpretação equivocada alegam que já existiria outro sindicato militar operando no país e que este inclusive já foi bem sucedido em AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. Contudo, na verdade o mencionado “sindicato” é uma ASSOCIAÇÃO registrada em 2003 como ligada a cultura, arte e defesa de direitos sociais.
As duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade impetradas pela associação Sindicato dos Reformados e Pensionistas das Policias Militares Brigadas Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, com sede em Niterói-RJ, não prosperaram, foram rejeitadas justamente com base no vício de legitimidade. Segundo a CF1988 a sindicalização militar é proibida no país, a corte não considera o registro em cartório como suficiente para legitimar instituições como de fato representações de classe. É necessário passar pelo crivo do antigo Ministério do Trabalho, hoje uma secretaria vinculada ao Ministério da Economia.
Continuaremos acompanhando todos os assuntos relacionados à família militar brasileira.
Robson Augusto – Sociólogo, jornalista , escreve para Revista Sociedade Militar
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