Três suboficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) foram apenados pela corte do Superior Tribunal Militar (STM) pelo crime de motim – art. 149 do Código Penal Militar (CPM) . A condenação ocorreu após a desclassificação e reforma da sentença de primeira instância, que havia condenado os réus pelo crime de atentado ao transporte – art. 283 do mesmo código.
Os militares foram acusados e penalizados após envolvimento no caso que se tornou nacionalmente conhecido como “paralisação ou greve dos controladores de voo da FAB”. O ano foi 2007, quando, na véspera de um feriado prolongado no país, no dia 30 de março, o serviço de controle do tráfego aéreo foi interrompido, o que gerou atrasos e cancelamentos de diversos pousos e decolagens.
Diversos envolvidos já foram julgados e condenados ao longo dos anos pela Justiça Militar da União (JMU). No caso dos três réus julgados na sessão realizada na tarde da última quarta-feira (28), o processo foi avaliado pelo STM após um recurso de apelação do Ministério Público Militar (MPM).
No entendimento do MPM, a sentença da 1ª Auditoria de Brasília deveria ser reformada, uma vez que foi comprovada a autoria e materialidade do crime de motim, devendo a pena-base ser fixada acima do mínimo legal.
Nos seus argumentos, a acusação alega que os réus podem ser enquadrados no delito de motim quando se negaram a cumprir o serviço – regido pelo “modelo operacional”- e não se reuniram com os seus superiores hierárquicos, contrariando a ordem clara por eles recebida.
Já a defesa dos militares pediu à corte do STM o não provimento do recurso ministerial. Alegou a ausência da elementar do tipo penal do motim porque nenhuma ordem foi emitida diretamente para os réus. Defendeu, ainda, a tese de que o conteúdo do modelo operacional não caracterizaria o crime imputado aos réus, mas sim o delito de inobservância da lei, regulamento ou instrução (art. 324 do CPM). Aduziu, por fim, a inocorrência do delito, alegando que a paralisação do tráfego aéreo ocorreu por motivos de segurança do voo.
Os argumentos defensivos não convenceram o relator do processo no STM, ministro Marco Antônio de Farias, que discorreu longamente sobre os motivos que o levaram a decidir que os controladores tinham sim ciência do que faziam e da gravidade das suas condutas naquele ano de 2007.
Além de serem militares antigos na carreira, uma vez que à época dos fatos eram suboficiais, os três ocupavam posição de destaque no controle do tráfego aéreo nacional em funções como: Supervisor de Equipe, Supervisor da Região Rio e Supervisor do APP (Aproximação)-BS, funções essenciais ao serviço de tráfego aéreo. Além disso, todos estavam de serviço no turno em que ocorreu a paralisação das decolagens.
Era responsabilidade deles, na qualidade de supervisores, a atribuição de manter a ordem no centro de controle, devendo os mesmos terem adotado as medidas necessárias para a normalidade do serviço. Tal realidade, para o ministro Farias, desconstrói o argumento de que os réus interromperam as atividades de controle do espaço aéreo em função do grande número de pessoas na sala, aglomeração motivada pela manifestação dos controladores.
“Os réus, antes mesmo de buscar esvaziar a sala do centro de controle, optaram por interromper o tráfego aéreo em completa afronta às normas administrativas, inclusive cônscios das gravíssimas consequências dessa atitude. Não há dúvidas de que eles, deliberadamente, deixaram de cumprir o “Modelo Operacional” com a finalidade de interromper a circulação de aviões no País e, assim, alcançar os seus objetivos, os quais guardavam semelhança com as reivindicações de natureza sindical”, frisou o magistrado.
O crime de motim é fartamente descrito no CPM, sendo considerado um delito que compromete a ordem pública e constitucional. Tal conduta pode, de acordo com a argumentação trazida pelo relator do processo, conduzir a sociedade para o mais completo caos, pois ataca, frontalmente, a eficiência da maior ferramenta de defesa do Estado.
“O motim integra o grupo dos mais nefastos crimes militares, porque mira, sem escrúpulos, nas raízes castrenses mais valiosas: os pilares da hierarquia e da disciplina. A traição atinge o âmago das Forças Armadas, reduzindo a pó os juramentos estatutários que os agentes militares realizaram perante a Bandeira Nacional”, enfatizou o relator, que concluiu que a priorização do interesse privado em detrimento do público, mediante a prática de motim, mostra-se tão grave que, se for executado em tempo de guerra, os infratores poderão ser condenados à pena de morte, nos exatos termos do art. 368 do CPM.
Ainda de acordo com o relator, o objetivo dos réus era constranger autoridades políticas e militares a fim de verem seus pleitos atendidos, o que ocasionou desobediência ao modelo operacional, a ordens de superiores, além de caos em todo o país.
Reforma da sentença e aplicação da pena
Convencido da gravidade dos atos praticados, o ministro Farias votou pela reforma da sentença de primeira instância, o que alterou as penas impostas aos três sentenciados.
Dentre os requisitos avaliados para a dosimetria da pena, estão desde as funções exercidas pelos três, como a intensidade do dolo, uma vez que para a consecução dos objetivos foram envolvidos mais de 50 militares, tanto para garantir o resultado criminoso, como para justificar a conduta. Na avaliação do relator, no contexto do suposto tumulto, os réus não eram vítimas, mas sim indutores da situação e agentes diretos do delito.
Também foi avaliada a extensão do dano, já que grande parte do tráfego aéreo ficou paralisado pelo período de cinco horas ininterruptas, atingindo um grande número de usuários, com diversas consequências reflexas, as quais extrapolaram o período de interrupção até que o sistema fosse novamente normalizado.
Contribuiu negativamente, ainda, a utilização da estrutura militar tecnológica, que impactou a segurança e a viabilização do tráfego aéreo.
“Na missão de tutelar o último recurso do Estado, a decisão de hoje tem o potencial de fazer ecoar a intolerância do Estado-Juiz em face de atos criminosos extremamente danosos e capazes de desestabilizar, em curto tempo, os altos escalões castrenses e o normal funcionamento do País. Por isso, este Processo ultrapassa todas as fronteiras da lide. Tem o poder de emoldurar, conforme a posição adotada, a consciência coletiva de Defesa Nacional”, enfatizou o ministro em seu julgamento.
Ao final de todas as argumentações, os ministros condenaram por unanimidade os três réus à pena de seis anos e seis meses de reclusão, sem direito ao “sursis” e regime semiaberto. Eles ainda serão submetidos à reprimenda acessória de exclusão das Forças Armadas, conforme previsto no art. 102 do CPM.
A sessão de julgamento foi transmitida ao vivo
APELAÇÃO Nº 7000242-80.2019.7.00.0000