… é na guerra que o militar demonstra sua relevância. Fora dela, é joguete de forças caóticas, manejadas por cínicos e debochados políticos.
Artigo de opinião – Os militares não são cidadãos comuns. Não são sequer servidores públicos comuns. O liame que existe entre o Soldado e a Nação extrapola o mero nexo contratual existente entre empregado e empregador. A alma nacional, naqueles momentos decisivos, em que jogam a vida e a morte e a liberdade de um povo está em jogo, encarna no militar.
Na luta, o soldado ultrapassa o simples miliciano e se torna representante da vontade última de um povo. Quando digladiam os países entre si, os que lutam são os soldados, confundidos com as próprias nações. O Marechal Deodoro disse que devia sua carreira a Solano López, pois todas as suas condecorações foram fruto de batalhas, não de meras honrarias.
Sem dúvida, é na guerra que o militar demonstra sua relevância. Fora dela, é joguete de forças caóticas, manejadas por cínicos e debochados políticos. Mas no Brasil da política promíscua de Bolsonaro, os próprios militares, como o escorpião acuado que se pica a si mesmo, estão mostrando que a profissão das armas pode não ser mais tão honrada como era nos tempos do império.
A desestruturação (é preciso chamar as coisas pelo nome!) da carreira militar feita pelo Governo de Jair Bolsonaro fincou-se em três pilares insólitos: a bitributação ilegal de pensionistas, a redução salarial das categorias de base e o aumento dos salários dos generais. As duas primeiras, num processo de autofagia institucional, serviram de caixa financeiro para a última. Dois anos de governo, mais de um ano de vigência da Lei 13.954/19, e o assalto ao trem pagador prossegue a todo vapor.
Em notícia publicada pela RSM¹, para arrancar o queixo de qualquer soldado, ficamos sabendo que Bolsonaro autorizou por meio de Portaria – com uma portaria dessas, o Presidente da República poderia restaurar a moralidade perdida pela Lei do mal – que generais em cargos comissionados recebam salário acima do “teto” constitucional. Isto é, os amigos do Mito-Rei, receberão pelo menos mais de R$40.000 por mês. Até 2018, Jair Bolsonaro se gabava de que “poderia ser chamado de tudo, menos de corrupto, porra!” (sic). Mas, talvez ele não saiba, ou finja não saber, que toda corrupção começa com desmoralização, e que, quando envolve os militares, ela ultrapassa limites que não deveriam ser desrespeitados.
E a desmoralização dá os seus sinais, mesmo que sutis, e ainda que poucos vejam… Nesta semana foi realizada a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara Federal. Confrontado por alguns parlamentares, o atual responsável pelo Ministério da Defesa (ou Ministério Invisível), mostrou certo desconforto em encarar a plateia.
Ao responder às perguntas relacionadas à tropa, manteve a cabeça baixa, fitando a mesa, numa postura bem diferente da que ostentava quando era um simples, mas orgulhoso general interventor no Rio de Janeiro. Ainda na CREDN, tendo sido chamado a responder questionamentos do deputado Glauber Braga sobre “o sentimento de boa parte dos membros das Forças Armadas de que o governo Bolsonaro virou as costas para as camadas mais baixas da hierarquia militar…” e “que os Comandantes deixaram e tem deixado muitos soldados pelo caminho”, o Comandante da Aeronáutica foi enfático e direto, ao dizer ipsis literis: “o sentimento de que nós viramos as costas para os praças, no PL1.645, além de muito perigoso, não é verdadeiro”.¹
Em 2021, centenas de milhares de brasileiros foram vitimados pela pandemia do vírus chinês. Todas as vidas importam, e não há uma dor maior do que a outra. Mas quanto maior é o raio de influência de uma pessoa, mais aquela morte é sentida. O Senador Major Olímpio infelizmente foi uma dessas vítimas. É óbvio que para além do círculo familiar, sua morte comoveu milhares de seus eleitores e admiradores. É pertinente trazer à memória um de seus últimos discursos, feito em 1º de fevereiro deste ano. Nele, o falecido Oficial diz, com todas as letras e liberdades que são permitidas a um senador da República que, “em 4 de dezembro de 2019, por ocasião da aprovação da malha de proteção social dos militares, ministros-generais mentiram para os congressistas. Nunca pensei ver na vida um general mentiroso” (sic). Indignado, arrematou “praças e pensionistas das Forças Armadas [foram] abandonados”.²
Lamentavelmente os mortos não podem ser chamados para acareação, mas graças a Deus, para a posteridade e para aqueles que, mesmo não sendo santos, insistem em “amar a verdade como fundamento de dignidade pessoal”, como diz o Estatuto dos Militares, o testemunho dos fatos repousa nos “bits” da internet e em milhares de contracheques de praças e pensionistas. A luta dos praças, como em incontáveis, mas memoráveis vezes no passado da História militar brasileira, continua sendo por justiça. Se antes lutavam contra castigos físicos e humilhações, hoje, conquanto seja na arena democrática, ainda precisam lutar para deixar de ser invisíveis.
(1) – https://twitter.com/jorgejlcs/status/1390817268259508225
JB Reis
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