Recentemente o general de exército na reserva remunerada Augusto Heleno disse que sobrevive à base de Lexotam para não aconselhar o presidente a “tomar uma atitude mais drástica em relação às atitudes que são tomadas por esse STF”.
A imprensa – inocente – acredita que houve um vazamento, que essa fala escapou de uma reunião com agentes de inteligência recém formados. Mas, quem conhece o velha guarda sabe muito bem que ele não cometeria uma gafe desse tipo. O que ele fez foi mesmo de propósito, ele sabia que a mensagem ia chegar aos destinatários certos e causar frisson.
Vamos conversar um pouco sobre isso, despretensiosamente, nesse bate-papo. Obviamente afoitos, precipitados, dirão que o texto reflete posição política. Para estes, qualquer crítica, por menor que seja, significa mudança de lado. Aguardo o seu comentário no espaço de interação abaixo desse texto.
Diante do terror por um lado e expectativa de outros, no que diz respeito ao chamado golpe militar – o Ministro-Mor fez sim uma ameaça velada, um blefe… E reavivou fantasmas, com vários objetivos, sendo o principal deles insuflar os ânimos da militância bolsonarista, que anda um pouco tímida mesmo diante do recente re-endurecimento do discurso presidencial.
Ainda que aleguem que não acreditam em pesquisas, já percebe-se certo desânimo na tropa verde e amarela e Heleno precisa dessas massas animadas, ansiosas, se reunindo nas esquinas e chamando de comunista qualquer um que ouse contestar uma simples cuspidela do chamado mito.
Sobre essa “atitude mais drástica” invocada na fala, as Forças Armadas não apoiariam Heleno e muito menos o presidente mesmo que ele quisesse implementar um golpe militar. Sabemos que a demissão sumária do general Fernando Azevedo e comandantes militares que o acompanhavam se deu exatamente porque nenhum deles se submeteu aos insistentes pedidos e tentativas de enfiar as FA no jogo político e ajudar o executivo a pressionar tanto o STF como o legislativo federal.
Seus sucessores, outros generais da mesma escola, amigos da mesma mesa dos altos comandos e almirantado, pensam da mesma forma. E todo militar profissional sabe disso.
Parte bastante significativa da classe política brasileira deseja, anseia, espera… aguarda ansiosamente que o atual presidente se descontrole e invoque de forma bem clara um golpe militar, intervenção ou qualquer outro nome que defina uma atitude extrema e ilegal desse tipo. Criar-se-ia novos “heróis da democracia”, Instantaneamente colocar-se-ia fim na incômoda carreira política de Jair Bolsonaro e talvez – de brinde – sobrassem celas para alguns apoiadores mais radicais.
Alçado ao poder outro chefe de estado, as FA, rapidamente – exatamente como a lei determina – se submeteriam ao mesmo.
Sobre a compreensão do “ser militar” e previsões sobre possíveis movimentos da tropa, feitas por observadores estranhos ao meio, minhas colocações há tempo que rendem e-mails e cartas de repúdio por ir na linha diametralmente oposta da maior parte dos textos publicados.
No passado vários antropólogos, como Malinowski e Wagley, passaram anos a fio convivendo em tempo integral com agrupamentos sociais estranhos com o único objetivo de entender, interpretar e descrever o quotidiano da sociedade observada. Todavia, ainda assim admite-se a imperfeição de seu trabalho, a impossibilidade de um “não nativo” apreender e compreender o comportamento de um agrupamento do qual não faz parte.
Um militar profissional é completamente reconstruído como militar. É como se nascesse de novo… são vários os ritos de passagem, deixa de ser paisano, seu nome é trocado, seus comportamentos e seu modo de enxergar o mundo são reconstruídos durante as diversas situações por que passa ao longo de toda uma vida no serviço ativo.
Análises e interpretações de ex-conscritos e ex-militares de qualquer tipo obviamente são imprecisas. O Ethos militar exige, para sua compreensão, muito mais do que dois ou três anos de correria, gritos e flexões de braço, exige – entre outras coisas – um sentimento de pertencimento pleno.
Políticos militares ou aspirantes a cargos eletivos por sua vez não explicam nada, seus comentários são permeados pela intencionalidade. Nos últimos tempos percebe-se que predomina a intenção não de informar, mas de guiar as massas radicais para o norte que se pretende alcançar, jamais contestando pilares de extremismo, bulinando-as ao mesmo tempo em que se mantém sua miopia.
Quanto a Heleno, que para alguns seria o verdadeiro cérebro desse governo, com Pink assentado na principal cadeira do executivo, não fala mais como general. Suas intervenções não carregam em si um milímetro da opinião da cúpula militar que – diga-se de passagem – não é da sua geração.
Do alto de seu salário fura-teto de 65 mil reais, um bom avanço para quem há três anos reclamou que não conseguia pagar um jantar digno para a própria família, Heleno não passa de um velho e astuto político confesso e como tal autoriza-se a mentir, mudar de lado e – ardilosamente – como todo “bom” político faz, a falar e “desfalar” o que falou antes.
Pra quem não se lembra, o general disse a Kim Kataguiri que suas declarações sobre o centrão em 2018 “se gritar Centrão, não fica um, meu irmão” são parte do Show político
“E eu não tenho hoje essa opinião. E não reconheço hoje a existência desse Centrão… isso aí faz parte do show político”
É preciso lembrar que Bolsonaro foi eleito por conta do repúdio das massas contra “tudo aquilo” que existia antes e na onda do “reset no sistema” solicitado por uma parte significativa da sociedade. Lembro ainda que em meados de 2018 ele admitiu que havia uma espécie de tutor, orientador, por detrás de sua candidatura. Durante a campanha, aos poucos, cada eleitor se transformou em um cabo eleitoral, muitos investiram dinheiro em locomoção, panfletagem. Contudo, todos sabem que, faz pouco tempo, o presidente retrocedeu, se aliou ao Centrão, um dos símbolos maiores do que existia antes e escolheu um político apontado como corrupto para assumir como um de seus auxiliares mais próximos.
Poucos também têm dúvida de que – negando o que antes dizia – não abrirá mão de um centavo de sua verba de campanha nas próximas eleições, para as quais disse que não concorreria, já que era contra a reeleição.
Heleno é astuto, seu show político deve se intensificar e o que se espera é que – infelizmente – daqui pra frente o Cérebro estimule cada vez mais Pink a insuflar as massas. O futuro do movimento em que se transformou o bolsonarismo atualmente depende do fanatismo.
Quem observa as falas do mandatário nota que o que diz é exatamente o que seus soldados esperam que diga. Ele mesmo, o “líder”, não detém as rédeas sobre o próprio povo, que chama de seguidores, porque é literalmente um mito, uma narrativa, algo construído por sua militância e não o inverso.
Acirrando-se os ânimos o que pode acontecer? Com o sistema eleitoral desacreditado o que se espera é que se Bolsonaro não for reeleito a massa de insatisfeitos vá para as ruas tentar impor sua vontade.
A mim, daqui, bem de longe das cadeiras de couro do palácio do Planalto ou de qualquer outro, finalizo advertindo que tudo isso não é novo, a história nos ensina que quem alimenta o fanatismo concorre para que se crie uma tragédia.
Obs: Artigos assinados de autores / colaboradores obviamente não necessariamente refletem a visão da Revista Sociedade Militar.