Ao que parece a proteção dos direitos de militares de baixa patente está se tornando – em pleno estado de direito – uma atividade cada vez mais difícil. Na Fortaleza de Itaipu, quartel seriado na região de Santos, os militares que se atrevem a recorrer a um advogado para tentar preservar seus direitos chegam a sofrer ameaças veladas e assédio de superiores, conta um advogado especializado em causas militares e responsável local pela comissão de Direito Militar da OAB-SP
A FORTALEZA DE ITAIPU E SEUS FANTASMAS RECENTES
Casos de perseguições perpetradas por superiores contra subordinados não são raros no âmbito das Forças Armadas, todavia, desde janeiro de 2021, o 2º Grupo de Artilharia Antiaérea em Praia Grande – São Paulo, tem se destacado nessa prática reprovada pelo próprio Estatuto dos Militares.
Quem passa pela frente da centenária Fortaleza de Itaipu não imagina às inúmeras reclamações da tropa que, vem sendo alvo de instauração de processos disciplinares questionáveis, eivados de irregularidades formais e materiais, aos quais da leitura perfunctória relatam casos abomináveis de pressão psicológica para alteração de documentos oficiais, ameaças veladas de transferências compulsórias e ainda, tratamento desumano e degradante durante o expediente e fora do ambiente de treinamento.
Surgem ainda, reclamações de testemunhas favoráveis aos militares da tropa em processos administrativos quanto a perseguições das mais variadas espécies, dentre elas, trocas de funções, exoneração de ofício e até mesmo indeferimento de expedição de diploma de honra ao mérito, isto tudo, sem qualquer fundamento legal.
Não apenas militares foram alvos desse modus operandi ímpar da unidade militar. Os advogados dos militares e ex-militares também sofreram tratamento discriminatório, a ponto de serem recebidos para despachos e outras atividades inerentes à advocacia, em um local insalubre e desprovido de mobiliário adequado, tendo estes que recorrerem à Ordem dos Advogados do Brasil para que pudessem garantir o mínimo de dignidade no exercício da defesa de seus patrocinados. Destacamos abaixo, algumas das adversidades enfrentadas no âmbito desta Organização Militar.
AMEAÇAS VELADAS: Militar relata que, ao buscar o exercício de sua defesa e de seus direitos contratando advogado para defendê-lo em um processo disciplinar arbitrário, foi advertido por superior hierárquico que teria sua carreira prejudicada e até de ser movimentado para uma guarnição considerada “ruim”.
PROCESSO DESAPARECIDO: No ano de 2019, alguns oficiais da respectiva unidade foram alvo de processo disciplinar em razão de tratamento indigno e desumano contra um soldado do efetivo variável. Apesar de várias testemunhas confirmarem a existência do processo administrativo e dos fatos ocorridos, em resposta ao requerimento da vítima interessada, a administração, em um primeiro momento, negou a possibilidade de acesso ao processo, sob o argumento de que estaria fornecendo dados sensíveis de um oficial, desconsiderando a praça vitimada e, após intervenção de procurador, foi declarada a inexistência de processo administrativo disciplinar.
PROTEÇÃO INSTITUCIONAL DE OFICIAIS: Militares relatam ainda que diversas denúncias contra oficiais daquele quartel foram arquivadas de forma infundamentada, com explicações simplórias e sem qualquer espécie de investigação ou instrução processual, altamente incompatíveis com a natureza da imputação, como por exemplo, crimes de falso testemunho, prevaricação, além de transgressões disciplinares, como tratamento indigno despendido a subordinados e exposição de documentos sigilosos.
DA PARCIALIDADE NAS SINDICÂNCIAS: Com relação aos procedimentos disciplinares cujo alvo eram praças, melhor sorte não os assiste. Percebe-se a abertura, recebimento e processamento de procedimentos disciplinares viciosos. É possível encontrar dentro da organização militar, oficiais representantes presidindo sua própria representação contra subordinado, isto é, incorporando o papel equivalente a delegado, juiz e promotor em sindicância, chegando ao ponto de um cabo, do efetivo profissional, após denunciar um oficial por maus tratos (obrigado a correr, machucado, sendo chamado de vagabundo), se tornar sindicado em sua própria representação.
PRESSÕES ÀS TESTEMUNHAS: Como se não bastassem às adversidades encontradas em processos administrativos, as reclamações da tropa apontam vários ataques às testemunhas. A título de exemplo, merecem destaque os casos a seguir relatados: (i) soldado do efetivo profissional foi procurado por um oficial para modificar seu testemunho. Tendo negado mentir em depoimento formal, o soldado perdeu sua chance de reengajar, mesmo tendo diversos elogios de todos os militares que ali trabalhavam com este, sendo-lhe também negado o diploma de honra ao mérito (ii) dois cabos do efetivo profissional foram trocados de função, logo após testemunhar em favor de um sargento. Na sequência, quando exonerados, apesar de cumprir com todos os requisitos do diploma de honra ao mérito, negou-se a honraria sob argumento de que somente soldados do efetivo profissional fariam jus ao diploma, mesmo frente a ampla divulgação em redes sociais da condecoração para todos os militares do efetivo profissional da mesma turma dos cabos. Tais situações levam a crer pelo total desarranjo a dois dos deveres caros aos militares do Exército Brasileiro: probidade e tratamento digno ao subordinado. Destarte, percebe-se tamanha pessoalidade e desigualdade no tratamento do militar que não cede às apócrifas pressões advindas de seus superiores.
DO DESISTÍMULO DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA: A nomeação de advogado para defesa de direitos na organização militar foi altamente desestimulada, posto que, os que se arriscaram a contratar advogados relatam sofrer tratamentos absolutamente diferenciado dos demais, como demora excessiva na concessão de documentos, tratamento com rigorosidade excessiva, ameaças veladas, além de piadas feitas por superiores. Os relatos e documentos sugerem que o militar que busca seu direito, encontra um clima muito diferente na caserna paradisíaca rotineiramente frequentada aos feriados e finais de semana pelo Presidente da República.
DO DESRESPEITO AO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA: Em resultado à todas essas adversidades e irregularidades encontradas pela tropa, evidente que a unidade passou a ser mais frequentada por advogados que atuavam na esfera disciplinar. Como resposta à presença dos causídicos, determinou-se que todos os atos que tiverem a intervenção ou participações destes deveriam ser praticados local sujo, malcheiroso, sem qualquer manutenção e totalmente incondizente com a profissão e com as próprias diretrizes do Exército Brasileiro. Somente após instauração de processo de prerrogativas junto à OAB, foi possível a higienização, aquisição de mesas e cadeiras adequadas para o respectivo ambiente.
Ressalta-se ainda que, em dado momento, somente advogados de civis e do setor licitatório poderiam adentrar ao quartel. Determinou-se que Advogados de militares e ex-militares deveriam ser atendidos na frente do quartel, no posto de identificações, sob argumento de preservação de segurança orgânica do quartel. Fato que resultou em mais um procedimento na OAB.
Allan Kardec Campo Iglesias / OAB/SP nº 440.650
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