Alguns advogados ligados aos militares das Forças Armadas acreditavam que a sanção feita por Bolsonaro à lei 13.967/2019, concebida originalmente para as polícias militares, geraria um avanço que – além de humanizar as carreiras militares da segurança pública – em pouco tempo reduziria as prisões disciplinares nas Forças Armadas à períodos em que o país estivesse em guerra, como já ocorre no que diz respeito a pena de morte.
A questão das prisões disciplinares é muito maior do que se imagina. Policiais como Daniel Silveira e Gabriel Monteiro, hoje políticos, tem suas fichas militares recheadas de punições disciplinares justamente por se manifestar sobre questões que precisavam ser levadas até a sociedade. Hoje a prisão administrativa é uma ferramenta usada pelas cúpulas militares federais e estaduais, empossadas sempre por preferência política do chefe do executivo, para impor uma espécie de “cala boca” contra manifestações de militares de baixas graduações.
Durante a tramitação de leis que versam sobre salários e direitos dos militares muitas vezes os comandos distribuem notas com ameaças contra aqueles que se manifestarem ou expuserem sua opinião sobre as questões em discussão no legislativo.
Em 2019 os comandos das Forças Armadas tentaram calar os militares logo que foi apresentado um projeto de lei que influía diretamente no seu poder aquisitivo. As forças usaram justamente os regulamentos disciplinares e seu poder de dissuasão, que jamais deveriam ser aplicados na situação, para tentar intimidar cidadãos fardados que pretendiam exercer seu direito de procurar o legislativo e apresentar sua visão sobre um projeto de lei. Uma nota oficial – ridícula e arbitrária – dizia que os militares não poderiam discordar de proposta legislativa apresentada pelas Forças Armadas.
Nota do Exército divulgada em 19 de março de 2019
“A abordagem distorcida e equivocada deste tema, além de inoportuna e atentatória aos preceitos da hierarquia e da disciplina, provoca especulações e dificulta a manutenção do equilíbrio necessário para as tratativas que estão sendo empreendidas.”
Os comandos incorreram no absurdo de lançar ameaças sobre militares na reserva remunerada e o efeito surtido foi o contrário, manifestações de militares das Forças Armadas pipocaram por todo o país chegando ao seu ápice com a até então inédita imposição de trios elétricos em frente ao Ministério da Defesa e do Palácio do Planalto, com dezenas de militares disparando verdades incômodas contra oficiais generais e o próprio ministro.
Prisões arbitrárias
Hoje muitos POLICIAIS MILITARES e militares das FORÇAS ARMADAS reclamam de prisões arbitrárias que se configuram como uma espécie de humilhação, muitas vezes aplicadas por comandantes nem sempre dotados da higidez moral necessária para ocupar cargos de comando.
Nas questões disciplinares a oficialidade, funciona ao mesmo tempo como acusador e julgador, o que é interpretado como inconcebível em pleno sec. XXI. A maior parte dos militares graduados entende que, assim como ocorre com a previsão da pena de morte, reservada para períodos de exceção, como uma guerra, deve ocorrer com as prisões disciplinares.
“excesso de poder e arbitrariedade para, administrativamente, sem a devida observância do princípio do processo legal, legalidade ou mesmo contraditório e defesa ampla, determinar prisão administrativa compulsória…” (ANASPRA)
A norma foi contestada pelo governador da Bahia, Rui Costa (PT), que ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6663.
Rui costa alegava que a extinção da prisão disciplinar apenas para militares estaduais e distritais ofende, ainda, a isonomia, pois deveria nesse caso alcançar os integrantes das Forças Armadas. Todavia, segundo o governador, a manutenção de prisões disciplinares se justifica em razão da rigidez da hierarquia e da disciplina em que se embasa o regime militar.
Outro governador que contestou a norma aprovada por Bolsonaro foi o governador Cláudio Castro, do Rio de Janeiro, que disse que a prisão disciplinar é prevista na Constituição Federal de 1988.
Na ação o governo do Rio disse que: “… a inexistência de um princípio constitucional da ‘vedação de medida privativa e restritiva de liberdade’ em sede de procedimentos disciplinares militares. Neste contexto, pode-se afirmar que o legislador federal inovou, criando proibição contrária ao permissivo constitucional acima mencionado”
Além da questão acima, o governo do Rio de Janeiro ponderou que a norma, que legisla sobre militares e seu regime jurídico, jamais poderia ter sido apresentada por deputados federais, que nesse caso foram o deputado subtenente Gonzaga (PDT) e Jorginho Mello (PR).
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro apresentou também suas alegações no processo em tela e solicitou a manutenção da sanção presidencial e validade da lei 13.967 de 2019, alegando que é uma espécie de AMEAÇA que paira sobre os trabalhadores da segurança pública e que não há previsão para prisão administrativa com base em regulamentos disciplinares pois a norma geral diz que as infrações devem ser definidas em lei.
“Não há, por parte do Constituinte, qualquer determinação para que as infrações administrativas militares sejam punidas com prisão administrativa. Apenas há previsão da possibilidade da utilização da restrição da liberdade nesses casos; inexiste, insista-se, obrigação de que essa draconiana modalidade de sanção seja utilizada. Além disso, o texto final do inciso LXI do artigo 5º estabelece que a prisão será possível nos casos de infrações militares e crimes propriamente militares, definidos em lei” e “O sucesso da pretensão aviada pela Governadoria do Estado do Rio de Janeiro pode acarretar na violação às garantias fundamentais dos policiais militares e bombeiros militares, em razão da imposição de prisão administrativa.”
Do lado das Praças, aqueles militares que em sua esmagadora maioria não ocupam cargos de comando nas Forças Auxiliares e Forças Armadas, a ANASPRA (Associação de Praças), apresentou também sua visão e inaugurando seu texto diz que a prisão foi concebida para a punição de crimes graves e não para meras questões disciplinares, sendo ainda necessário o devido processo legal, contraditório etc.
O que tem ocorrido, segundo a associação, é excesso de poder e arbitrariedade para, administrativamente, sem a devida observância do princípio do processo legal, legalidade ou mesmo contraditório e defesa ampla, determinar prisão administrativa compulsória
“… a privação de liberdade foi concebida para punir crimes graves e não para questões disciplinares. Ademais, a normativa de regência determina que princípios como dignidade da pessoa humana, legalidade, presunção de inocência, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e vedação da medida disciplinar privativa de liberdade devem ser seguidos.” E
“Não há razão de se prever direitos e garantias fundamentais se no momento de aplicá-los, eventual executor (em abuso de autoridade e, às vezes, de forma arbitrária) os ignora e opta pelo rompimento da Democracia e de Direitos Constitucionais outrora garantidos. Por tais e tantas razões, a legislação indevidamente impugnada coaduna com a juridicidade constitucional estabelecida neste País. Portanto, não seria crível aceitar que a norma impugnada seja suprimida e, por conseguinte, ignore direitos dos milhares de representados da ANASPRA, ou mesmo que o judiciário retroaja ao passado positivando uma norma que afronta literal disposição da Constituição Brasileira; instaurando um caos jurídico e uma insegurança sem precedentes, quando se permite que a norma infraconstitucional, acaso entendida como inconstitucional, sobreponha a própria Constituição.”
O Senado apresentou sua visão a favor da manutenção da lei, dizendo que: “O objetivo principal da legislação é, portanto, consolidar normas que estabeleçam instrumentos de controle interno eficazes, com punições rígidas e rigorosas, sem que sejam excessivas, desproporcionais. Respeitando o direito à dignidade da pessoa humana e ao devido processo legal”
A norma foi derrubada pelo STF
Em seu voto, acompanhado pelos demais ministros, Ricardo Lewandowski alega que de fato há vício de iniciativa, o que seria a Inconstitucionalidade formal comprovada e ressalta que a concordância do presidente, manifesta por sua sanção, não tem o poder de afastar esse equívoco.
“o Congresso Nacional, ao aprovar a Lei 13.967/2019, de origem parlamentar, quando menos, invadiu a esfera de competência privativa do Chefe do Executivo Federal, de nada valendo a sanção presidencial para sanar tal mácula…”
O relator concorda ainda com o Governo do Rio de Janeiro ao apontar a inconstitucionalidade material e diz o seguinte:
“… a própria Constituição Federal , de forma clara e inequívoca, autoriza a prisão de militares, por determinação de seus superiores hierárquicos , caso transgridam regras concernentes ao regime jurídico ao qual estão sujeitos, dispondo o art. 5º, LXI, quanto a essa particularidade, o seguinte: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, “ salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar , definidos em lei”(grifei).”
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar