Um dos mais importantes e controversos julgamentos da História teve um impacto gigantesco no campo jurídico e serviu como alerta aos que futuramente seguiriam pelo caminho dos nazistas: esse é o Tribunal de Nuremberg.
Mas quais foram os antecedentes históricos a esse marco jurídico e o que o sucedeu?
Um pouco de História e lógica.
Para situá-los melhor sobre o que foi o julgamento em Nuremberg, primeiramente precisamos atentar para os fatos que culminaram neste. Como boa parte já sabe, esse tribunal internacional foi composto para julgar os alemães (porém não apenas estes) por seus crimes de guerra. O tribunal foi composto por juristas dos países Aliados, com destaque para EUA, Grã-Bretanha, França e URSS.
E o que levou – em especial – as lideranças alemãs para o tribunal?
Obviamente que a esmagadora maioria dos leitores irá afirmar que isso se deveu ao genocídio dos judeus, aos excessos do III Reich e aos estragos provocados pelo avanço nazista. Bem, isso é uma parte da verdade, já que a outra parte se situa no fato de que pressões internacionais também agiram para que as lideranças nazistas remanescentes fossem presas, julgadas e punidas. De modo sumário, permitir que esses indivíduos fossem apenas penalizados por seus crimes era pouco. A humanidade precisava de algo que lembrasse a todos que nenhum ato – não importa a justificativa – contra vidas humanas inocentes seria minimizado.
Dito isso, talvez alguns agora estejam pensando: “se o tribunal foi criado para punir aqueles que provocaram o holocausto e seus subordinados, então há legalidade neste julgamento.”.
Em parte isso é verdade, porém é preciso lembrar que tal julgamento não estava amparado em bases puramente legais. Cabe lembrar que os nazistas julgados foram “nomeados” como líderes sobreviventes do movimento. E quem os nomeou? Os próprios integrantes da bancada julgadora. Tal ação levou a defesa dos nazistas ao protesto, uma vez que a maioria era militar e estava sob o jugo do estrito cumprimento do dever.
Antes que me acusem de apoiar o nazismo, observem que durante a mesma Segunda Guerra Mundial aconteceram os ataques com bombas atômicas a Hiroshima e Nagasaki, mas não houve um tribunal que julgasse esses atos de guerra. De modo frio e centrado, podemos dizer que matar Aliados e provocar o holocausto são atos reprováveis, enquanto o assassinato em massa de milhares de japoneses (e as sequelas ao longo dos anos) feito por norte-americanos é algo aceitável, já que os nipônicos atacaram Pearl Harbor. Fui incisivo demais? Bem, esta é a realidade que poucos ousam questionar…
Compreendo que os julgamentos das lideranças nazistas eram necessários. Compreendo que a aplicação da pena de morte para alguns destes serviu como um aviso aos futuros genocidas, porém não compreendo como a justiça só enxergou os crimes praticados pelos países do Eixo, enquanto os crimes de guerra (e até mesmo os crimes comuns) foram simplesmente esquecido por parte dos países vencedores.
A História é contada sob a ótica dos vencedores. Entretanto, o exemplo deveria vir dos que efetivamente representaram a “luta verdadeira”, a luta por liberdade e justiça.
E eis que o leitor mais atento pergunta: “se foram criminosos de guerra julgados e usados como exemplo, qual o mal nisso?”.
A resposta a esse questionamento foi visto ao longo das décadas seguintes.
Holodomor e outros genocídios.
Não há como descartar ou diminuir os estragos provocados pela Segunda Guerra Mundial. Também não há como negar que outros conflitos tiveram resultados tão ou mais cruéis que esta.
Um dos exemplos mais claros é o massacre de Holodomor. E não se trata de um massacre provocado por conflito armado.
Ocorrido entre 1932 e 1933, pouco tempo antes da deflagração da Segunda Guerra, ucranianos eram submetidos pelo governo da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) à mais cruel e letal política de alimentos da História. Em decorrência da política Stalinista, que obrigava que a maior parte da produção de alimentos na Ucrânia fosse remetida à URSS, assim como punia quem desobedecesse tal determinação, o mais sombrio período de fome e morte no território Ucraniano teve início em 1932 e só se encerrou em 1933 com uma nova política agrícola em todos os países que compunham a extinta URSS. Os opositores da política alimentícia russa eram punidos com prisão, tortura ou morte. Muitos foram esquecidos em campos de concentração, com moldes muito similares aos que veríamos ao fim do regime nazista.
Infelizmente o resultado negativo foi o extermínio, por inanição e outros meios, de aproximadamente 15 milhões de ucranianos, não poupando idosos, crianças, doentes ou quem mais imaginarmos.
Ora, poucos anos antes do início da Segunda Guerra Mundial já havíamos visto um genocídio provocado por homens de poder. Contudo, diante da força política e influência da URSS, isso foi praticamente esquecido pela imprensa mundial, além de não ter sido julgado. Outro fato interessante e triste está no reconhecimento por parte dos países ao redor do mundo. Hoje, infelizmente, apenas 16 países (o Brasil só o fez em 2022) englobam essa lista. Em contrapartida, quase a unanimidade dos países do mundo reconhecem e repudiam o holocausto judeu.
No pós-Segunda Guerra também ocorreram outros massacres, alguns de cunho étnico, outros de cunho territorial ou bélico. Entre eles podemos citar os atos vis praticados no Camboja entre 1975 e 1979, cujo somatório de mortos é estimado em quase 3 milhões; o regime de terror que vitimou 150 mil pessoas no Timor-Leste no período de 1975 a 1999; os 200 mil mortos na Bósnia (entre 1992 e 1995) que foram vitimados por serem, em essência, muçulmanos; o massacre em Ruanda (1994) provocado por milícias hutus, cujo resultado final é o assustador número de 700 mil tutsis mortos (com requintes de crueldade) por serem de outra etnia que a de seus algozes.
A verdade é que a lista de atrocidades provocadas por homens e mulheres cujos poder e ódio os levaram a conduzir verdadeiros extermínios é apenas a ponta do iceberg. Muitas execuções são simplesmente não noticiadas, seja por não ter pertinência jornalística, seja por pura manipulação política. Hoje, felizmente, tragédias e covardias como as acima citadas dificilmente ficarão no anonimato em função das redes sociais e da celeridade nos processos de comunicação. Mas ainda há regimes cujo controle sobre tudo e todos é muito forte, o que demanda uma preocupação maior no que diz respeito aos Direitos Humanos e à preservação da liberdade individual.
Agora a pior parte vem por conta do rigor com que tais crimes contra a humanidade ou crimes de guerra foram apurados. Em geral, todos esses ataques contra minorias, etnias ou pessoas em territórios em conflito foram desprezados pelos órgãos internacionais. Entidades cujo poder de condenar (repreender) e buscar o julgamento perante cortes internacionais se mostram cada vez menos eficientes no papel que lhes é devido.
Como já citei, outros atentados contra a humanidade e os direitos humanos foram praticados ao longo da História, mas durante o século XX e até mesmo em pleno século XXI temos observado que esses atos vis não cessaram, mesmo após o rigoroso e exemplar Julgamento em Nuremberg.
Desta forma, incito o leitor a refletir sobre quais rumos a justiça internacional tomará. Hoje temos refugiados de diversos países, famílias inteiras que vivem em condições miseráveis por causa de um grupo de poderosos que se beneficiaram do dinheiro público e do poder que este traz. Contemplamos também conflitos que se iniciam pelos mais fúteis motivos, conflitos que desestabilizam economias e levam ao caos e à perda de inúmeras vidas.
Que o Direito Internacional e os órgãos por ele representados, sobretudo os homens por trás dessas posições de poder, tomem não só ciência dos desmandes e atrocidades ao redor do mundo, mas que sejam corajosos para – em nome da preservação da vida e dos direitos humanos – assumir a postura de defensores dos incapazes e dos fracos. Que as exemplares punições aos homens que compuseram a cúpula nazista não tenham se tornado apenas lembranças de uma era onde nações se uniram em prol da garantia da liberdade, da vida e da justiça.
Referências bibliográficas:
Segunda Guerra Mundial. Willmott, H.P..DorlingKindersley, 2004.
Primeira Guerra Mundial. Willmott, H.P..DorlingKindersley, 2004.
Entrevistas de Nuremberg, As –Goldstein, Leon. Companhia das Letras, 2006.
Holodomor: o Holocausto Esquecido. Dolot, Miron. 2021.
Revista Sociedade Militar – História Militar, guerras e fatos interessantes