É consenso que as forças armadas e por conseguinte a guerra são um ambiente majoritariamente masculino. Porém majoritário não quer dizer exclusivo, pois a arqueologia tem demonstrado que a mulher, desde tempos antigos, mesmo que de forma minoritária, sempre se envolveu nas defesas dos seus países e povos. O que dizer de Boudicca, rainha celta que foi uma pedra no sapato do império Romano ou Joana D´Arc, heroína francesa.
A história da mulher nas forças armadas brasileiras já é bicentenária, embora poucos saibam. Ela começa com Maria Quitéria, a primeira mulher a se alistar no Exército Brasileiro. Uma baiana que desafiou o pai e as convenções da época, disfarçou-se de homem e integrou com bravura as tropas que ajudaram a expulsar do Brasil o Reino de Portugal. Ela lutou na campanha da Bahia nas Guerras de Independência do Brasil entre 1822 e 1823 e foi condecorada com a Imperial Ordem do Cruzeiro pessoalmente por Dom Pedro I — morreu no dia 21 de agosto de 1853, sem nenhum reconhecimento, sendo enterrada em uma lápide anônima na igreja matriz da freguesia de Santana do Sacramento.
O caminho aberto por Maria Quitéria chegou aos tempos da Primeira Grande Guerra, pois outubro e dezembro de 1917, os habitantes do Rio de Janeiro que passavam pelo centro da capital eram surpreendidos pela presença de mulheres jovens se comportando de uma maneira que contradizia as normas de uma sociedade marcadamente patriarcal: vestidas com uniformes militares e portando armas e espadas, elas realizavam exercícios militares no meio do Campo de Santana, sob a supervisão de um oficial aposentado e de Leolinda de Figueiredo Daltro, diretora da Escola de Sciências Artes e Profissões Orsina da Fonseca para estudantes do sexo feminino e os jornais da época publicavam suas fotos e matérias. Mas aquele não foi o único grupo de brasileiras a aparecer na mídia escrita preparando-se para a Guerra. As voluntárias da Cruz Vermelha também usaram espaços públicos para fazer exercícios de simulação de resgate e administração de primeiros socorros a soldados feridos em campos de batalha de uma guerra imaginária.
Já na Segunda Grande Guerra a atuação feminina foi mais marcante, pois por solicitação das enfermeiras norte-americanas, já há três anos em guerra, foi requerido o engajamento de enfermeiras na FEB, permitindo a inserção feminina no campo militar, desencadeando procura significativa pelas escolas de formação por mulheres que emergiram de um mundo familiar, protegido e limitado, e se dispuseram a enfrentar um mundo heterogêneo convivendo com homens militares e mulheres estrangeiras. As norte-americanas, já detentoras de capital cultural institucionalizado e habitus militar incorporado, estavam adaptadas às rotinas hospitalares desenvolvidas no cenário de guerra, com maior poder de decisão e segurança do que as enfermeiras brasileiras, que foram enfrentar um universo novo e desconhecido. As brasileiras praticaram um ato ousado, já que a aceitação desse grupamento foi vista com resistência e crítica pela sociedade.
Para atuar no cenário da guerra, foi criado o Decreto-Lei nº 6097, de 13 de dezembro de 1943, com o Quadro de Enfermeiras de Emergência da Reserva do Exército (QEERE), cujas candidatas deveriam ser brasileiras natas, solteiras ou viúvas, ter entre 22 e 45 anos de idade e alguma formação prévia em enfermagem. Deste modo, 67 enfermeiras, sendo 61 hospitalares e 6 no transporte aéreo, foram integradas ao Serviço de Saúde da FEB, além de cerca de mil e trezentos médicos, dentistas, enfermeiros, farmacêuticos e padioleiros. No mesmo voluntariado, mas em situação administrativa diferente, foram incluídas na Força Aérea Brasileira outras seis enfermeiras. Após a Guerra, assim como o restante da FEB, as enfermeiras, em sua maioria foram condecoradas, ganharam a patente de oficial e licenciadas do serviço ativo militar.
A inserção da mulher brasileira nas forças armadas está repleta de pioneirismo, desde a primeira mulher a entrar em combate a 200 anos atrás, a luta de Leolinda Daltro, as primeiras da FEB, as primeiras mulheres na Marinha do Brasil em 1980, as primeiras da Aeronáutica em 1982 e as primeiras no Exército em 1992, até nossos dias que já é comum ver as mulheres ascendendo a postos de comando operacional.
Talvez um dos últimos bastiões da masculinidade fosse o Corpo de Fuzileiros Navais, mas como já publicado pela Revista Sociedade Militar, em 2023 haverá o primeiro concurso exclusivo para elas. Mais um passo importante rumo a equidade de gênero.
Nos tempos modernos as mulheres já são amplamente aceitas nas fileiras das Forças Armadas, mas não se pode esquecer de quem primeiro trilhou os passos e abriu as portas.
Feliz dia das mulheres, Feliz mês das mulheres.