Neste ano, com a troca do Comandante do Exército, a instituição decidiu não comemorar o 31 de março de 1964. Nos últimos anos, a data era comemorado pelo Exército brasileiro como a data da “revolução”, dia que iniciou-se o período da ditadura militar no Brasil – para quem enxerga sob um prisma de esquerda – ou dia em que se iniciou a contra revolução ou revolução – para quem enxerga a história por um prisma de direita. (parágrafo modificado pela editoria)
O assunto já era alvo de debates desde a posse do novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Após os eventos do dia 8 de janeiro, a discussão acabou sendo reforçada e, finalmente, ficou decidido que a data não seria comemorada pelas Forças Armadas. A decisão foi aprovada pelo ministro da Defesa, José Múcio.
O parecer final do Comando do Exército veio após a troca de comandante que, anteriormente, era o General José Arruda. Atualmente, o comandante do Exército é o General Tomas Paiva.
Decisão não deve ser formalizada
O comandante do Exército, General Tomás Paiva, já havia comunicado a decisão ao Alto Comando da Força ainda no final de janeiro, durante uma reunião de cúpula. Na ocasião, o General disse que este ano não deveria haver nenhuma nota oficial dos militares sobre o 31 de março ou sobre o período da ditadura militar.
Na visão de oficiais ouvidos pelo jornal Folha de São Paulo, sob condição de não terem seus nomes divulgados, as manifestações sobre o 31 de março este ano devem ficar restritas aos círculos de militares da reserva, nomeadamente, clubes e associações.
O Ministério da Defesa também afirmou que este ano não divulgará mensagem sobre o dia 31 de Março.
Com isso, a estratégia da cúpula da Defesa seria não anunciar ou comunicar uma decisão formal sobre o tema. O consenso é que o assunto é demasiado sensível e pode desgastar a relação com os militares.
A estratégia de ignorar o assunto é, no entanto, questionada por petistas. Diversas alas do PT têm aconselhado integrantes do governo para que o Ministério da Defesa seja mais incisivo com relação a data e pressionem o Ministro da Defesa a divulgar um comunicado oficial em repúdio à ditadura militar.
José Múcio, no entanto, teria dito a interlocutores que não pretende falar sobre o assunto publicamente e que evitaria dar entrevistas, para assim evitar novas crises com os militares diante de outro assunto sensível.
O Ministro da Defesa já teria inclusive se queixado das consecutivas notícias negativas com relação as Forças Armadas, como a PEC que pretende limitar a presença de militares na Política, o vazamento do áudio do comandante Tomás Paiva e a investigação sobre a participação de militares nos atos de 8 de janeiro. O José Múcio desejaria, portanto, evitar novos desgastes desnecessários.
No passado, Ministério Público chegou a pedir na Justiça retirada de nota sobre a data
Em 2022, o Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça que determinasse a retirada “urgente“ de uma nota publicada pelo Ministério da Defesa em comemoração ao que chamou de “golpe militar de 1964”, que completava 58 anos naquela data.
Na época, o Ministro da Defesa Walter Braga Netto respondeu afirmando que o golpe militar “é um marco histórico da evolução política brasileira, pois refletiu os anseios e as aspirações da população da época”
Em 2019, a Defensoria Pública também pediu que a Justiça proibisse quaisquer comemorações sobre o 31 de março.
Ex-presidente Bolsonaro incentivava celebração de data
Nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, o Ministério da Defesa publicou ordens do dia celebrando o dia 31 de março. A comemoração teria sido uma ordem dada pelo próprio ex-presidente.
“Nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação ao 31 de março de 1964 incluindo a ordem do dia, patrocinada pelo Ministério da Defesa, que já foi aprovada pelo nosso presidente”, disse em 2019 o então porta-voz da presidência, General Otávio Rego Barros.
Desde então, os ministros Fernando Azevedo e Braga Netto divulgaram anualmente comunicados no dia 31 de março, que eram lidos nos quartéis e demais eventos militares marcados para a ocasião.
Em 2012, evento acabou em pancadaria e cusparadas
No dia 31 de março de 2012, no Centro do Rio de Janeiro, manifestantes cuspiram contra participantes de um evento que comemorava a data, entre eles, um General. Além disso, também proferiram insultos aos presentes, como “assassinos” e “torturadores”. No protesto estavam estudantes e integrantes do grupo Ocupa Rio, que chegaram a fechar a avenida.
Segundo testemunhas que acompanharam o episódio, o embate entre manifestantes e militares deu-se em frente ao Clube Militar. Os militares presentes teriam respondido aos xingamentos “atirando beijos” e pedindo “paz e amor”.
Devido aos manifestantes estarem obstruindo a passagem dos militares, o Batalhão de Choque foi acionado. Bombas de efeito moral e tiros de bala de borracha acabaram ferindo um cinegrafista da Globonews e dois manifestantes. Algumas pessoas chegaram a ser levadas pela polícia, mas foram liberadas em seguida.
“Nosso objetivo era constranger estes militares assassinos que nunca foram punidos pelas mortes que têm nas costas. Este evento do qual vieram participar é uma afronta à sociedade.” disse uma estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em frente ao Edifício Duque de Caxias, sede do Clube Militar.
Celebrações anteriores ao governo Bolsonaro
Antes do governo Bolsonaro, o Exército chegou a celebrar o aniversário de início da ditadura de 1964 em diversos outros comunicados oficiais. Em 2006, por exemplo, o então comandante do Exército Francisco Albuquerque escreveu que o Exército deve “orgulhar-se do passado”.
“O 31 de Março insere-se, pois na História pátria e é sob o prisma dos valores imutáveis de nossa Força e da dinâmica conjuntural que o entendemos. É memória, significado à época pelo incontestável apoio popular, e une-se, vigorosamente, aos demais acontecimentos vividos, para alicerçar, em cada brasileiro, a convicção perene de que preservar a democracia é dever nacional.”, declarou o militar na ocasião.
O ministro da Defesa da época, Waldir Pires, disse que respeitava a posição do comandante do Exército. “Não tenho nada a contestar à posição de quem interprete dessa forma. Tenho que respeitar a posição de cada um”, afirmou sobre a declaração de Francisco Albuquerque.
Em 2011, quando Dilma Rousseff (PT) assumiu a Presidência, foi determinado que as Forças Armadas não citassem mais a ditadura militar nas ordens do dia. No mesmo ano, o Exército chegou a vetar uma palestra do general Augusto Heleno que seria realizada em comemoração à data.