A partir de sábado, dia 1º de abril, será a vez da Rússia assumir a presidência do Conselho de Seguranda da ONU. O órgão, que conta com 15 membros, tem rotação mensal de presidência. A Rússia assumiu o posto pela última vez em fevereiro do ano passado.
A última vez que a Rússia presidiu o órgão foi no mesmo mês que Vladmir Putin anunciou sua “operação militar especial”, eufemismo do presidente russo para a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022. Catorze meses depois, a opinião pública sobre a Rússia, especialmente em países ocidentais, praticamente desmoronou. A guerra já fez milhares de baixas, muitas delas, civis. Além disso, diversas cidades foram completamente destruídas e até mesmo o próprio presidente Putin já foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacionalpelo sequestro em massa de crianças ucranianas.
O rodízio, no entanto, não foi afetado pela guerra na Ucrânia, o que foi alvo de duras críticas por diplomatas ucranianos e países simpáticos a causa do país.
“Um novo nível de hipocrisia global”
“A partir de 1º de abril, eles estão elevando o nível de absurdo a um novo nível”, disse Sergiy Kyslytsya, representante permanente da Ucrânia nas Nações Unidas desde 2019. “O conselho de segurança, da forma como foi concebido, está imobilizado e incapaz de abordar as questões de sua responsabilidade primária, ou seja, prevenir conflitos e depois lidar com os conflitos.”, pontuou.
O embaixador ucraniano disse ainda que o país ficaria longe do conselho de segurança no mês de abril, exceto no caso de uma “questão de interesse crítico para a segurança nacional”. Kyslytsya, no entanto, observou que seria mais provavelmente que “todo mundo se acostume com esse novo nível de hipocrisia global”. A Ucrânia não é um membro atual do conselho.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, chamou a presidência da Rússia do Conselho de Segurança da ONU como “a pior piada de todos os tempos”. “Você não pode imaginar uma piada pior para o Dia da Mentira… O país que sistematicamente violou todas as regras fundamentais da segurança internacional está presidindo um órgão cuja única missão é salvaguardar e proteger a segurança internacional'”, comentou, em referência a data de início do mandato russo no conselho, 1º de abril.
Na quinta-feira, os Estados Unidos pediram à Rússia que “se comporte profissionalmente” ao assumir o cargo. É o máximo que os americanos podem fazer, visto que não há legalmente como impedir Moscou de assumir a presidência do órgão. O Kremlin reforçou na sexta-feira que a Rússia planeja exercer todos os seus direitos no conselho.
Opiniões divergem dentro do próprio conselho
No Conselho de Segurança, o balanço das forças diplomáticas é menos claro do que na assembléia geral, onde todos os países membros se reúnem. O Conselho de Segurança é formado apenas por 15 países, sendo 5 permanentes e 10 “não permanentes”. Levando em conta os 5 permanentes, três deles, EUA, Reino Unido e França, estão claramente do mesmo lado da mesa. Do outro lado, estão Rússia e China. A China vem regularmente repetindo os pontos de discussão russos dentro do conselho já há algum tempo e, mais recentemente, os dois países tem dado claros sinais de estarem cada vez mais próximos.
Os outros 10 membros, os chamados “não permanentes” são eleitos para mandatos de dois anos pela assembleia geral.
O vice-representante permanente da Rússia, Dmitry Polyanskiy, acredita que a Rússia tem ganhado mais apoio dentro do órgão. “Sentimos que o Ocidente está em apuros na ONU agora porque mais países entendem nossa posição”, disse Polyanskiy. “Acho que é o Ocidente que está isolado, e não nós, na assembleia geral.”, observou.
Países preferem manter neutralidade
No grupo atual de membros não-permanentes, grande parte dos países tem posições neutras com relação ao conflito na Ucrânia. Nos últimos meses, o Brasil lentamente também está ingressando nessa coluna. Richard Gowan, diretor da ONU no International Crisis Group, disse que, sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil estaria “fazendo um esforço para se aproximar da Rússia e se posicionar como um potencial pacificador sobre a guerra da Ucrânia”.
“Não acho que a Rússia tenha muitos aliados próximos no conselho, mas muitos membros do conselho querem evitar ser pegos em grandes jogos de poder”, disse Gowan. “Há uma sensação definitiva de que muitos membros do conselho querem desviar a atenção para outras crises além da Ucrânia, onde a ONU pode ser capaz de fazer um bem marginalmente maior.”, finalizou.
O flagrante impasse e a paralisia do conselho sobre a Ucrânia serviram para elevar a importância da assembléia geral. No entanto, quase ninguém aposta que haverá qualquer reforma com relação ao funcionamento do órgão. O Conselho de Segurança foi estabelecido logo após a Segunda Guerra Mundial e tem se mantido praticamente nos mesmos moldes desde então.
Para o mês de abril, não há sessões do conselho planejadas pra tratar sobre a Ucrânia. Os membros, no entanto, podem votar para forçar o assunto a entrar na agenda, ou realizar reuniões informais sobre a questão.