O capitão Cavaleiro da Ordem de Cristo e o mistério do Monte Pascoal
Abril é o mês da Páscoa e do aniversário oficial da fundação do Brasil pelos colonizadores portugueses. … Depois de 40 dias de navegação, Cabral chega ao Brasil. O primeiro monte avistado pela frota de Cabral recebeu o nome de Monte Pascoal, porque chegaram exatamente na semana da Páscoa, festa magna da religiosidade cristã e judaica. Pesach para os judeus. A palavra significa ”passagem”, porque seria a passagem da escravidao para a liberdade para os israelitas saindo do Egito. Para os cristãos é a passagem da morte para a vida eterna, a salvação da alma. Sintomático para quem acabava de descobrir o ”paraíso”.
Os dois primeiros nomes da terra carregam a palavra Cruz, símbolo do martírio do Cristo, que foi crucificado exatamente no sábado da Páscoa. A primeira missa foi então realizada na nova terra uma semana após a chegada, a chamada pascoeta (pasquetta).
Passaram 40 dias no mar que correspondem exatamente aos 40 dias de quaresma de jejum antes da Páscoa católica, quando só se come peixe. De fato, a principal ração deles na travessia marítima era peixe seco.
Todo esse simbolismo foi proposital? Ou seja, tudo foi planejado astronomicamente pelos navegadores portugueses? Como eles sabiam que chegariam na nova terra e, “coincidentemente”, com toda essa carga de simbolismo religioso? Se foi, quem planejou isso e por que?
Para muitos que aportaram na nova terra, ela foi a terra escravidão e para milhões de outros era o sonho da ”terra prometida”, a conquista do paraíso.
Existe uma memória nacional histórica de fundação do Brasil como nação?
Em sua terceira viagem ao continente americano, Colombo tocou literalmente na região onde hoje é a Venezuela, vizinha do Brasil. Naquele momento não existia ali nenhuma nação de colonização europeia.
Os norte-americanos falam com orgulho de seus pais fundadores, mas reconhecem Cristóvão Colombo, o navegador italiano, como seu descobridor inicial. Essa reflexão, de início, nos parece racional, já que Colombo descobriu o continente todo. Tecnicamente deveria ser celebrado como o descobridor para todos os países do continente.
Mas, ao fim e ao cabo, Colombo foi tão injustiçado que nem sequer deu seu nome ao continente que descobriu. Esse mérito foi dado a outro navegador italiano: Américo Vespucci, daí América. Vespúcio, em portugues, descobriu que a América não era as Índias, mas sim um outro continente.
Um país deu a honra de seu nome a Colombo: a Colômbia. Há algumas cidades nos EUA e uma região no Canadá chamadas Columbia. A própria capital americana, Washington D.C., é conhecida como Distrito de Columbia.
O mais interessante também é que Columbia foi no passado um dos nomes dos EUA. O nome ainda aparece em alguns hinos americanos. Um deles é Hail Columbia, que foi até 1931 o hino nacional americano.
O nome Columbia, para se referir ao país, começou a cair em desuso cerca de 150 anos atrás. O interessante é que ainda hoje é possível encontrar alguns poucos e raros americanos que acham que o nome do país deveria ser Columbia. Ao menos eles tem também a famosa Columbia Pictures para produzir seus grandes filmes e o ônibus espacial Columbia que explodiu em em sua reentrada terrestre em 2003.
Columbia é o feminino latim de Colombo para nomear algo em homenagem ao descobridor.
De volta ao Brasil, fato é que existe um grande mistério envolto na chegada dos portugueses a terra brasilis.
É já de conhecimento geral que Cabral não foi o primeiro a chegar por aqui.
Pedro Álvares Cabral (1467-1520) foi um navegador e explorador português, capitão-mor da frota portuguesa que avistou a costa do Brasil em 22 de abril de 1500.
De família nobre, famosa nas lutas contra os mouros e castelhanos, com onze anos foi para Lisboa na época do reinado de Afonso V (1432-1481) onde estudou literatura, história, cosmografia e aprendeu a usar armas.
Com 16 anos, na corte de D. João II (1481-1495), aperfeiçoou-se em cosmografia e estudou técnicas militares.
Na corte de D. Manuel I (1495-1521), Cabral foi agraciado com o título de “Fidalgo do Conselho do Rei e Cavaleiro da Ordem de Cristo”. Em 1499 foi nomeado capitão-mor da esquadra que seguiria para a Índia, com missão diplomática, comercial e militar e também pretendia conhecer parte do oceano que lhe cabia por determinação do Tratado de Tordesilhas.
Pedro Álvares Cabral assumiu o posto de capitão-mor da frota, composta por dez naus e três caravelas, a maior frota até então organizada por D. Manuel I, entregando o comando a navegadores experientes como Bartolomeu Dias e Nicolau Coelho.
A expedição era composta por 13 embarcações e cerca de 1.500 homens entre os quais, 700 eram soldados, embora a maioria fosse composta por gente comum sem nenhum treinamento militar.
Havia pessoas importantes em cada navio como fidalgos e religiosos, entre eles, o famoso cosmógrafo e navegador Duarte Pacheco Pereira(SOUSA, Rainer Gonçalves. “Fatos controversos sobre o descobrimento do Brasil”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/descobrimento-brasil.htm. Acesso em 03 de abril de 2023.), frei Henrique Soares de Coimbra, Bartolomeu Dias, o escrivão PeroVaz de Caminha, o famoso Mestre João e ainda cientistas e astrônomos.
Cabral era um cavaleiro da Ordem de Cristo. O que implicava isso?
A Ordem de Cristo era uma continuação da Ordem dos Cavaleiros Templários que participaram das famosas Cruzadas em Jerusalém.
Os Cavaleiros da Ordem de Cristo
Fundada por franceses em Jerusalém em 1119, com o nome de Ordem dos Templários, acabou transferindo-se para Portugal em 1307, época em que o rei da França desencadeou contra ela uma das mais sanguinárias perseguições da História, tendo assassinado e degolado brutalmente centenas de cavaleiros no dia 13 de outubro de 1307 (Daí a tradição de que o 13 seria um dia de azar).
Depois de ter acabado totalmente com a Ordem dos Templários na França, os sobreviventes teriam fugido e tiveram a acolhida do rei português Dom Diniz.
O rei D. Diniz (1261-1325) decidiu garantir a permanência da Ordem em terras portuguesas: sugeriu uma doação formal dos seus bens à Coroa, mas nomeou um administrador templário para cuidar deles.
Nem o processo papal, nem a execução do grão-mestre Jacques de Molay, em 1314, o intimidaram. Em 1317, reiterando que os templários não haviam cometido crime em Portugal, D. Diniz transferiu todo o patrimônio dos cruzados para uma nova organização recém-fundada: a Ordem de Cristo.
Assim, Portugal virou refúgio para perseguidos em toda a Europa. De vários países chegavam fugitivos, carregando o que podiam. O castelo de Tomar virou a caixa-forte dos segredos que a Inquisição não conseguiu arrancar. Dois anos depois, em 1319, um novo papa, João XXII, reconheceu a Ordem de Cristo. Começava para os cavaleiros uma nova era, com uma nova missão.
Os ex-templários estabeleceram estaleiros em Lisboa, fizeram contratos de manutenção de navios e dedicaram-se à tecnologia náutica, aproveitando o conhecimento adquirido no transporte marítimo de peregrinos entre a Europa e o Oriente Médio durante as cruzadas. Ao mesmo tempo, preparavam planos para voltar à ação, contornando a África por mar e, aliando-se a cristãos orientais, expulsar os mouros do comércio de especiarias. Leia mais em: https://super.abril.com.br/historia/a-cruzada-do-descobrimento/.
Quando o infante D. Henrique, terceiro filho do rei D. João I, tornou-se grão-mestre da Ordem, em 1416, a organização encontrou o respaldo para colocar em prática um antigo e ousado projeto: circunavegar a África e chegar à Índia, ligando o Ocidente ao Oriente sem a intermediação dos muçulmanos, que então controlavam os caminhos por terra entre os dois cantos do mundo.
A proposta visionária recebeu o aval do papa Martinho V, em 1418, na bula Sane Charissimus, que deu caráter de Cruzada ao empreendimento. As terras tomadas dos infiéis passariam à Ordem de Cristo, que teria sobre elas tanto o poder temporal, de administração civil, quanto o espiritual, isto é, o controle religioso e a cobrança de impostos eclesiásticos.
Apenas em 1498, o cavaleiro ”templário” Vasco da Gama conseguiria chegar à Índia. Morto em 1460, d. Henrique não assistiu ao triunfo da sua cruzada. Mas chegou a ver como, no rastro dela, Portugal ia se tornando a maior potência marítima da Terra.
A missão dos novos cavaleiros templários, a Ordem de Cristo
Domingo, 8 de março de 1500, Lisboa. Terminada a missa campal, o rei d. Manuel I sobe ao altar, montado no cais da Torre de Belém, toma a bandeira da Ordem de Cristo e a entrega a Pedro Álvares Cabral que recebe das mãos do rei esse estandarte real, símbolo do seu poder.
O capitão vai içá-la na principal nave da frota que partirá daí a pouco para a Índia. Era uma esquadra respeitável, a maior já montada em Portugal, com treze navios e 1 500 homens. Além do tamanho, tinha outro detalhe incomum. O comandante não possuía a menor experiência como navegador. Cabral só estava no comando da esquadra porque era cavaleiro da Ordem de Cristo e, como tal, tinha duas missões: criar uma feitoria na Índia e, no caminho, tomar posse de uma terra já conhecida, o Brasil. Esse nome viria depois.
A presença de Cabral à frente do empreendimento era indispensável, porque só a Ordem de Cristo, uma companhia religiosa-militar autônoma do Estado e herdeira da misteriosa Ordem dos Templários, tinha autorização papal para ocupar – tal como nas cruzadas – os territórios tomados dos infiéis (no caso brasileiro, os nativos destas terras).
O empreendimento da frota era tão ambicioso e tinha tantos motivos para chegar na nova terra que, a despeito da pouca experiência do nobre cavaleiro Cabral, nela estavam embarcados vários gênios da navegação portuguesa, a mais avançada então em náutica e astronomia. Entre eles, destacavam-se:
Bartolomeu Dias, ninguém menos que o homem que dobrou o temido Cabo das Tormentas, depois batizado de Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, abrindo definitivamente o caminho para as Índias por navegação. Isso feito, quebrou o monopólio árabe e italiano do comércio das especiarias por terra e mudou a história. Infelizmente esse herói das grandes descobertas comandava uma das naus de Cabral e ao rumar do Brasil para as Índias, ironicamente, vai sofrer um naufrágio no mesmo Cabo da Boa Esperança que o tornou famoso. Morreu ali, afogado e sepultado onde até hoje é lembrado.
O seu feito nas costas africanas foi imortalizado pelos dois mais famosos poetas portugueses. Além de ser personagem de Camões, em Os Lusíadas, Fernando Pessoa fez um epitáfio para ele:
“Jaz aqui, na pequena praia extrema,/ O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,/ O mar é o mesmo: já ninguém o tema!/ Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.”
Duarte Pereira Pacheco, o outro célebre navegador português que teria chegado ao Brasil dois anos antes de Cabral. Um dos mais notáveis guerreiros, astrônomos e navegadores da história das grandes navegações. Também teve seu nome eternizado na obra Os Lusíadas de Luís de Camões e aí é chamado de fortíssimo eGrão Pacheco Aquiles Lusitano.
Mestre João, segundo levantado por historiadores, era ele espanhol, cristão novo (judeu), médico pessoal do próprio rei e astrônomo. O primeiro a descobrir, nomear e cartografar as estrelas do Cruzeiro do Sul. Fazia uso dos revolucionários instrumentos de navegacão, como o astrolábio de metal, desenvolvidos por outro famosíssimo judeu que, sem ele, as grandes navegações e descobertas dificilmente aconteria: Abraão Zacuto.
Pero Vaz de Caminha, eternizou-se como o autor da famosa carta, datada de 1 de Maio, ao soberano, um dos três únicos testemunhos desse descobrimento (os outros dois são a Relação do Piloto Anônimo e a Carta do Mestre João Faras). Mais conhecido dentre os três, a Carta de Pero Vaz de Caminha é considerada a certidão de nascimento do Brasil.
Tragicamente, o célebre escriba encontrou a morte também quando, saindo do Brasil, chegaram à Índia e aí teria falecido em combate durante o ataque muçulmano à feitoria de Calecute (Calcutá), em construção, em 16 ou 17 de dezembro de 1500.
Frei Henrique de Coimbra, célebre missionário na Índia e na África, viajou na frota de Pedro Álvares Cabral em 1500. No Brasil é conhecido por ter celebrado a primeira missa no país, a pascoeta, em 26 de Abril de 1500.
Para ficar apenas nos expoentes.
No dia 26 de abril de 1500, quatro dias depois de avistar a costa brasileira, o cavaleiro Pedro Álvares Cabral cumpriu a primeira parte da sua tarefa. Levantou, onde hoje é Porto Seguro, a bandeira da Ordem e mandou rezar a primeira missa no novo território. O futuro país estava sendo formalmente incorporado às propriedades da organização.
O escrivão Pero Vaz de Caminha, que reparava em tudo, escreveu para o rei sobre a solenidade: “Ali estava com o capitão a bandeira da Ordem de Cristo, com a qual saíra de Belém, e que sempre esteve alta.”
Para o monarca português, a primazia da Ordem era conveniente. É que atrás das descobertas dos novos cruzados vinham as riquezas que faziam a grandeza e a glória do reino de Portugal.
Por que Cabral não descobriu o Brasil?
Há muito e talvez desde sempre, se sabe que Cabral não “descobriu“ o Brasil.
A própria ideia de “descobrimento“ já cai por terra quando se sabe que nativos silvícolas e autóctones já ali estavam há cerca de milhares de anos, vindo, segundo antropólogos, pelo Estreito de Behring ou teorias da corrente malaio polinésia, etc. Fato é que estavam ali.
O termo “descoberta“ pode ser entendido como uma descoberta para os europeus, de um mundo até então desconhecido para eles. Ao mesmo tempo, uma descoberta para os nativos desse novo mundo, de que existiam outros povos, terras e ilhas por eles desconhecidos. Nesse sentido, houve sim, uma descoberta para os dois lados, provocada, claro, pelos europeus.
As provas e indícios da chegada aqui de outros europeus e até mesmo não europeus são inúmeras. E, melhor ainda, outros portugueses e espanhóis antes de Cabral também teriam aportado antes.
Os indícios mais longínquos e sem provas substanciais e pouco circunstanciais dão conta de que fenícios do tempo do rei Salomão (rio solimões) e inscrições pretensamente em hebraico-fenício na Pedra da Gávea no Rio de Janeiro; chineses com a grande nau do almirante Zheng He por volta de 1421; Navegadores do Mali, além da lenda da mítica ilha chamada Hy Brasil, a oeste da Irlanda, no Atlântico, onde São Brandão teria chegada há cerca de mil anos atrás e relatado uma ilha enorme, com animais exóticos, etc.
Já a chegada dos Vikings nas regiões do Canadá há cerca do ano 1000 d.C com Leif Erickson, filho de Éric, o Vermelho, está comprovada com descobertas arqueológicas achadas na década dos anos de 1960. Mas isso não foi no Brasil, embora ele tenha desbancado todos, até mesmo Colombo, Cabral e cia. De fato, parece ter sido o primeiro europeu a pisar em solo americano.
Já no Brasil, há vários personagens sugeridos como os primeiros a aqui aportar.
O próprio Colombo em sua terceira e penúltima viagem, em 1498, ao continente, passou por onde hoje é a Venezuela e Trinidad e Tobago, vizinhas do futuro Brasil. Essa foi a primeira vez que ele tocou o continente, sem ser uma ilha caribenha.
Ao costear o norte da América do Sul, em frente ao que hoje são as Guianas e até mesmo o Amapá ou nordeste brasileiro, dificilmente não terá visto a costa amazônica brasileira. Talvez até aportado por aí. Sobre isso não sabemos e não há registro. Isso se passou dois anos antes de Cabral chegar ao Brasil.
Um dos documentos mais reveladores é o diário dessa terceira viagem de Colombo, onde ali registra justamente que passaria mais ao sul do continente propositadamente para averiguar “a menção del rei dom João de Portugal que dizia que no austro (sul) havia terra firme e que por isso teve diferenças com os reis de Castela). Ou seja, claramente, ele ouviu isso vindo do rei de Portugal. Então, Portugal já sabia de tudo? Mas, quando e como seria isso?
Bem, Colombo chegou à América em 1492 e em sua volta em 1493, misteriosamente, passou em Lisboa e esteve em audiência com o rei de Portugal e aí revelou a descoberta antes de chegar de volta a Espanha, seu destino final. Colombo tentou obstinadamente, por mais de dez anos, por duas vezes o financiamento de sua empresa com o rei de Portugal, Inglaterra e França e não conseguiu. Insistiu com os monarcas de Espanha até que conseguiu.
Colombo passou primeiro em Portugal para que? Queria se vingar e “tirar onda” com o rei para lhe provar seu triunfo? Fato é que isso provocou o rei de Portugal que foi reclamar junto ao papa Alexandre VI seus direitos também sobre as terras descobertas. Na verdade, havia o tratado de Alcáçovas-Toledo que dava direito a Portugal em terras e ilhas descobertas a oeste do Atlântico porque Portugal já tinha descoberto várias ali, como Açores, Madeira, Cabo Verde, etc. A questão agora seria a extensão desse oeste.
Para evitar outro conflito, o papa chamou as partes para assinar o Tratado de Tordesilhas que dividia as novas terras e o mundo entre as duas potências marítimas. Pela parte portuguesa foi enviado para averiguar e assinar as regras do Tratado, ninguém menos que Duarte Pacheco, a maior autoridade no assunto no reino luso. Isso fizeram em 7 de junho de 1494, seis anos antes da descoberta do Brasil.
Curiosamente, os limites do tratado dividia exatamente as terras ao sul do continente onde ninguém ainda tinha estado, a futura América do Sul. Colombo só passaria ali por perto em 1498, quatro anos depois.
Como é que alguém dividiria uma terra que não conhece? Colombo só tinha estado até então, em sua descoberta, nas ilhas do Caribe, onde, pelas linhas do tratado, Portugal nada teria, como não teve. Pelo que foi assinado em Tordesilhas, as 370 léguas a oeste de Cabo Verde, supostamente, ninguém sabia que tinha tão grande quantidade de terras. Ao contrário, todos, bons cartógrafos, inclusive o grão Pacheco Aquiles e Colombo sabiam que não haveria terras para Portugal se a base fosse as terras já descobertas. Até onde sabemos, nenhum europeu ainda tinha tocado a América do Sul.
A cisma e insistência do rei portugues também é o que fez Colombo empreender sua terceira viagem e finalmente ver e entender a imensidão de terras que era o continente por ele descoberto.
Ao celebrar o Tratado de Tordesilhas em 1494 com a Espanha, Portugal abocanhou, sem nunca ter visto (ou viu?), um terço do que é hoje o Brasil, no nordeste e partes pequenas do sudeste.
Feito isso, Portugal decidiu enviar uma missão secreta ao território em 1498, mesmo ano da terceira viagem de Colombo, quando este enfim conheceu a América do Sul. E quem faria a missão? e por que era secreta?
O escolhido foi ninguém menos que o próprio “Aquiles lusitano”, Duarte Pereira Pacheco, (Lisboa, 1460 – 1533). No curriculum vitae dele constava que era navegador, militar, geógrafo e cosmógrafo. Ele mesmo, que fora procurador do rei de Portugal e o consultor técnico das negociações de Tordesilhas. De quebra, ainda era negociador! E dos melhores, senão o melhor.
Esse homem tem uma folha corrida de trabalhos a coroa digna mesmo de um herói mitológico, uma vasta biografia metido em guerras, viagens comerciais e missões oficiais e de exploração na Europa, África, Índia, Caribe e América do Sul.
Incrivelmente, vivenciou in loco os descobrimentos da América, do Brasil, a passagem pelo Cabo das Tormentas por Bartolomeu Dias e assim a primeira viagem por mar para as Índias por Vasco da Gama em 1497. Ele conviveu com essa turma e, em alguns casos, participou das mesmas aventuras, juntos, antes ou depois.
Não necessariamente esteve em alguns desses momentos, mas era membro dessa tropa de elite, quase todos cavaleiros da Ordem de Cristo.
Qual é a prova de que Pacheco esteve no Brasil antes de Cabral?
O principal indício da viagem de Duarte Pacheco é um livro que ele escreveu entre 1505 e 1508, chamado Esmeraldo de Situ Orbis, narrando seus serviços prestados ao rei. Nele, Duarte Pacheco diz que dom Manuel lhe encarregara de “descobrir a parte ocidental, passando além a grandeza do Mar Oceano (Atlantico), onde é achada uma tão grande terra firme“.
Pacheco saiu de Cabo Verde em novembro de 1498, menos de seis meses depois de Colombo.
Pacheco nao mentiria em seu livro porque era um registro oficial e isso ficou guardado nos arquivos oficiais com o rei, onde foi encontrado séculos depois, diz Francisco Domingues, historiador da Universidade de Lisboa, especialista em náutica da Era dos Descobrimentos em entrevista a revista Aventuras na História por Tarso Araújo, Publicada em 22/04/2020.
No livro A Construção do Brasil, o historiador português Jorge Couto reúne vários indícios de que a tal “grande terra firme” que Pacheco descreveu, era mesmo o Brasil, mais precisamente o trecho compreendido entre o litoral maranhense e o estuário do rio Amazonas.
Reflexão: se o próprio Pacheco foi quem assinou o Tratado de Tordesilhas por Portugal, como nao iria lá para ver o que de fato existia? Era exímio navegador e cosmógrafo.
Vejam que as narrativas de sua viagem, indicam que ele esteve justamente no ponto onde o Tratado de Tordesilhas dividiu a terra entre portugueses e espanhóis. Ou seja, a missão dele era de fato conhecer as terras de Portugal e as de Espanha também.
Ele, seguramente, entrou num território proibido e verificou sim que ali havia muita terra e um rio gigantesco, o Amazonas. Não há nenhum outro registro de que outro Europeu tenha estado ali antes disso. E há relatos, baseados em estudos de mapas por portugueses e ingleses que dão conta de que ele teria até mesmo adentrado rio acima por cerca 900 milhas.
Podemos assim afirmar que o primeiro Brasil descoberto foi a Amazônia? Podia ter sido até o nome do país. A viagem, porém, tinha caráter sigiloso por vários motivos e assim permaneceu até mesmo depois da chegada de Cabral aqui. Um dos motivos é que Pacheco adentrou em território espanhol, além Tordesilhas. Tudo era sigilo entre Portugal e Espanha.
Alguns estudiosos dizem que não, que a regra seria justamente registrar e anunciar onde esteve para reivindicar o território para si. No caso de Pacheco não, porque um tratado divisório já tinha sido celebrado.
Há outros indícios da viagem de Pacheco ao Brasil e um dos mais importantes é o Memorial de la Mejorada, documento castelhano de cerca de 1499, que afirma categoricamente que ”dom Manuel violou o Tratado de Tordesilhas recém-assinado, enviando expedições que navegaram para oeste do meridiano em áreas da coroa espanhola”.
Só há um nome, de que se tenha registro,que preenche as acusações de invasão do domínio espanhol: Pacheco.
Outro documento importante é o Planisfério de Cantino. Misteriosamente, essa carta também mostra detalhes do litoral norte brasileiro, que até 1502 não fora visitado oficialmente. O que sugere que o mapa foi elaborado com a ajuda de outros navegantes, que teriam chegado ao Brasilantes de Cabral. Ele mostra, em 1502, um golfo chamado de Fremosso, no ponto onde a linha de Tordesilhas passa pelo litoral norte brasileiro. Ora, nem Cabral e nem Gaspar de Lemos, que voltou de Porto Seguro para dar notícias do descobrimento em Lisboa, passaram por essa parte do litoral na viagem de 1500.
Apesar da falta de provas, vários historiadores acreditam que dom João organizou viagens de exploração pelo Atlântico, ao sul e ao Ocidente, para estudar os melhores ventos para chegar ao cabo da Boa Esperança. Só assim os navegantes portugueses teriam descoberto a “volta pelo largo“, rota que os fazia passar muito perto do nordeste brasileiro.
Outro indício vem de espiões castelhanos, que avistaram a saída de 4 caravelas da ilha da Madeira, em 1493, navegando para oeste. Será que, nessas viagens, eles teriam visto praias? Não se sabe, é claro, mas no diário de bordo de Vasco da Gama, que em agosto de 1497 fez a volta pelo largo rumo às Índias, está escrito que “achamos muitas aves e, quando veio a noite, elas tiravam contra o sudoeste muito rijas, como aves que iam para terra“. Vasco da Gama, nesse ínterim, estava prestes a se tornar o primeiro europeu a chegar na Índia por mar.
A descoberta pelos espanhóis
Vicente Yañez Pinzón e seu primo Diego de Lepe, seguramente chegaram ao Brasil alguns meses antes de Cabral, em janeiro e fevereiro de 1500. Pinzón foi piloto de nada menos que uma das três caravelas de Colombo, a Nina. Ele está entre os descobridores do continente junto com outro irmão seu, piloto também da caravela La Pinta de Colombo. O relato da chegada deles ao Brasil está muito bem documentado.
A Espanha não reivindicou a descoberta, minuciosamente registrada por Pinzón e documentada por importantes cronistas da época como PietroMartire d’Anghiera e Bartolomeu de las Casas. As terras eram da coroa portuguesa por força do tratado.
Pinzón, navegador experiente, já tinha estado no novo mundo com Colombo, explorou vários lugares na América Central, sendo considerado descobridor do México e outros países.
O ponto onde os dois primos chegaram separadamente vai do Cabo de Santo Agostinho até o rio Amazonas o qual batizou com o nome de Santa Maria de la Mar Dulce. Há uma intensa discussão no fato de que Pinzón teria chegado em Pernambuco ou no Ceará. Santo Agostinho seria em Pernambuco e Ponta do Mucuripe no Ceará. É que as cartas e registros dão margem a dúvidas.
Curiosamente, Pinzón esteve exatamente no Oiapoque, ponto considerado o extremo norte do Brasil. O seu nome batizou primitivamente o Rio Oiapoque (durante séculos denominado como Rio de Vicente Pinzón), cujo curso demarca o limite setentrional do litoral brasileiro. Entre 1895 e 1900, pairando a dúvida sobre qual seria exatamente esse Rio de Vicente Pinzón (se o Oiapoque ou o rio Araguari), registrou-se a Questão do Contestado Franco-Brasileiro (Questão do Amapá), arbitrada pelo Conselho Federal Suíço em favor do Brasil.
Houve e ainda há quem conteste a chegada de Pinzón e Lepe no Brasil, argumentando que eles estiveram na Guiana Francesa. Os dois estiveram, concomitantemente, na foz do rio Amazonas, em dias diferentes. Uma longa digressão. Para a coroa espanhola, Pinzón foi sagrado descobridor do Brasil, mesmo sabendo que o território nao era seu.
Um último e inusitado obscuro personagem nessa história é um desterrado conhecido como Bacharel de Cananéia.
Segundo Jaime Cortesão, o Bacharel era Duarte Perez, degredado em 1498, Jaime baseou sua teoria na viagem de Bartolomeu Dias que, em 1498, se encontrava em Cabo Verde e lá existia um homem de nome “Bacharel”. Jaime acredita que o navegador veio ao Brasil e, como o limite das terras portuguesas era entre São Vicente e Cananéia, ele foi deixado ali, possivelmente para demarcar território e vigiar as fronteiras do tratado.. Essa narrativa foi extraída da Folha do Litoral News.
Parece que aqui aparece mais um português que teria estado no Brasil, agora exatamente no limite sul do Tratado de Tordesilhas que estava ali na região de Cananéia, São Vicente, Iguape ou Santos. Teria sido o próprio Bartolomeu Dias, mas praticamente, as provas inexistem.
De qualquer forma e curiosamente, percebemos movimentos e relatos esparsos da presença portuguesa nos dois extremos do limite de Tordesilhas no norte e no sul. Ambos em 1498, durante a viagem de Colombo e Pacheco à América do Sul.
O Bacharel de Cananéia foi motivo de relatos de vários estudiosos famosos, como Adolfo Varnhagen, Capistrano de Abreu, Ernesto Young, Pedro Calmon, etc. Ele aparece com vários nomes nas pesquisas e poderia ter sido até espanhol, por que a região era motivo de peleia entre lusos e espanhóis por ser a fronteira do Tratado de Tordesilhas.
Ernesto Guilherme Young (1850-1914), pesquisando os arquivos dos cartórios e do Tombo de Iguape, publicou, em l896, pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, seu clássico “Esboço Histórico da Fundação da Cidade de Iguape” (1895), no qual conseguiu identificar o bacharel como sendo Cosme Fernandes Pessoa, ou simplesmente Mestre Cosme Fernandes.
O respeitado historiador santista Francisco Martins dos Santos, em sua “História de Santos”, comenta e defende a tese de que o Bacharel teria sido um padre ou mesmo um judeu, não concordando que ele tenha sido um advogado não doutorado (ou seja, bacharel em Direito), pois, nos anos de 1500, o título de bacharel era usado para designar homem de grande erudição e técnica, como médico, físico e padre. Esse autor também acredita ter sido o Bacharel o verdadeiro fundador de Iguape, Cananéia, São Vicente e Santos.
Essa figura, de qualquer forma, fez muita história por ali e tinha muitas terras, mulheres, filhos e centenas de nativos a seu serviço, criando uma grande rede de apoio a navegadores da coroa e de exploração econômica da terra. Teria sido o único português degredado, talvez antes de Cabral e formado um clã com nativos e com muito êxito. Um Robinson Crusoé luso brasileiro? Dificilmente saberemos.
A conclusão final disso tudo deve ser que Cabral veio ao Brasil apenas para formalizar oficialmente o território como domínio espiritual e econômico dos cavaleiros da Ordem de Cristo e domínio territorial e econômico da coroa portuguesa.
Nas cartas de Pero Vaz e de Mestre João, não há nenhum registro de espanto por terem encontrado uma nova terra e sim um registro formal relatando as características do lugar. O próprio mestre João relata, surpreendentemente, em sua carta ao rei que há uma cartografia anterior a dele que descreve melhor as coordenadas e características da terra onde então estavam. Não havia motivos para grandes surpresas.
Durante muito tempo, acreditou-se, no Brasil, que a data da chegada dos portugueses era 3 de maio. Isso porque, até meados do século XIX, a carta de Pero Vaz de Caminha estava perdida nos documentos do Império Português, e, como não era possível ter acesso a ela, detalhes importantes desse acontecimento estavam perdidos. Essa impressão incorreta é atribuída a um historiador português que viveu no século XVI — Gaspar Correia.
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Esse historiador interpretou a mudança do nome do Brasil de Terra de Vera Cruz para Terra de Santa Cruz como um indicativo de que a chegada dos portugueses tinha acontecido no dia 3 de maio. Essa interpretação foi baseada no fato de que o dia 3 de maio era dedicado à comemoração religiosa da Santa Cruz, em Portugal. Assim, ele deduziu que os portugueses haviam dado esse nome ao Brasil porque teriam chegado aqui nesse dia.
Só em 1817, quando o padre Manuel de Aires de Casal encontrou a Carta de Pero Vaz de Caminha é que se resgatou a informação de que a chegada dos portugueses aconteceu no dia 22 de abril e não em 3 de maio.
Ainda assim, foi necessário mais de um século para que todos os vestígios da interpretação incorreta de Gaspar Correia desaparecessem.
Feriado nacional
Apesar do 22 de abril ser uma data significativa para o Brasil, ela não é um feriado nacional. O descobrimento foi feriado no país até 1930, mas deixou de sê-lo quando uma lei, emitida pelo governo de Getúlio Vargas, aboliu alguns feriados do nosso calendário.Atualmente, os feriados nacionais são delimitados por duas leis: a 10.607, de 19 de dezembro de 2002, e a 6.802, de 30 de junho de 1980. Por meio delas, definiram-se oito feriados nacionais (quando se fala de datas fixas) em nosso país, e o dia 22 de abril não é um deles.Como dito, o dia do descobrimento já foi considerado um feriado nacional, mas sua comemoração não era realizada em 22 de abril, e sim em 3 de maio. Isso foi feito pelo Governo Provisório, que assumiu o país após a Proclamação da República, por meio do Decreto nº 155-B, de 14 de janeiro de 1890. E nessa época já se sabia há muito que a data era 22 de abril.Os historiadores argumentam que o motivo provável para o feriado em 3 de maio e não em 22 de abril, como se sabia na época ser a real data do descobrimento, era não haver feriados em dois dias seguidos (21 e 22 de abril). Com isso, os governantes da época optaram por escolher a data falsa para comemoração da chegada dos portugueses. O Decreto nº 19.488, de 15 de dezembro de 1930, aboliu esse feriado, garantindo a consolidação do 22 de abril.
Ou seja, a data foi comemorada por apenas 40 anos e ainda assim, a data errada, mesmo as autoridades sabendo já que o descobrimento não foi em 3 de maio! E quando resolveram, enfim, riscar a falsa data do calendário, ignoraram solenemente a data real, dando prioridade para comemorar a data vizinha, a da Inconfidência Mineira.
A Ordem de Cristo sobrevive até aos dias de hoje como ordem honorífica e com o nome de Ordem Militar de Cristo, a quem pertencem até presidentes de Portugal.
Se queremos resgatar essa data cívica iniciada pelos nossos pais fundadores, dependerá muito do que o povo brasileiro deseja honrar como o início de sua civilização com o encontro de diversas etnias que aqui se mesclaram.
A pergunta inicial sobre se devemos comemorar ou não o descobrimento do Brasil por Cabral pode ser respondida com um sim, mesmo ele não tendo sido o primeiro.
Mas ele foi o fundador oficial, com chancela da coroa imperial portuguesa, para aqui, como um astronauta fixando uma bandeira na lua, fincar o marco fundador da nova terra, oficializando isso com uma cerimônia religiosa, em frente ao Monte Pascoal, numa Páscoa, e fixando aqui a cruz trazida pelos novos templários, os ”cavaleiros da Ordem de Cristo”.