Quando o assunto é Guerra da Ucrânia, a postura do governo brasileiro tem se fixado em um meio-termo já há algum tempo. No final do ano passado, por exemplo, o Brasil chegou a condenar a invasão na assembleia da ONU, mas previamente, havia se declarado contra as sanções impostas à Rússia. Este ano, o governo Lula recusou um pedido dos Estados Unidos para o envio de armas para a Ucrânia, o que acabou frustrando alguns líderes ocidentais.
E não é por menos. Desde que assumiu o cargo, em 1º de janeiro, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido publicamente um fim para o conflito entre Rússia e Ucrânia. O Brasil diz que quer fazer parte de um grupo de nações que luta pela paz.
O Brasil deu um passo adiante nessa retórica essa semana, quando o principal assessor de relações exteriores de Lula, Celso Amorim, voou até Moscou para se encontrar pessoalmente com o presidente russo, Vladimir Putin. O objetivo, segundo o governo brasileiro, seria dialogar sobre a possibilidade de abrir uma negociação de paz com a Ucrânia. Celso Amorim e Vladmir Putin sentaram-se em lados opostos da longa mesa oval de Putin dedicada à recepção de dignitários estrangeiros.
Amorim conversou com a CNN Brasil após a reunião, declarando que “Dizer que as portas para [negociação] estão abertas seria um exagero”, disse ele, enigmaticamente. “Mas dizer que estão totalmente fechadas também não é verdade.”, finalizou o ex-chanceler.
Lula já havia conversado com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no mês passado, sobre os esforços para trazer a paz ao país. Na quinta-feira, Lula disse a jornalistas em Brasília que “Putin não pode ficar com o território ucraniano” que invadiu no início de 2022. “Talvez possamos discutir a Crimeia. Mas ele tem que pensar em sua invasão”, disse o presidente. Lula também reiterou que o mundo precisa de paz e que é preciso encontrar uma solução para o conflito.
Viagem à Paris
A viagem de Celso Amorim também incluiu uma parada em Paris, onde se reuniu com o diplomata Emmanuel Bonne, conselheiro do presidente Emmanuel Macron para temas de relações internacionais. A visita teria a intenção, segundo fontes, de “equilibrar” a atenção dada aos dois lados do conflito na Ucrânia, já que uma visita ao país presidido por Volodymyr Zelensky não era considerada viável.
Ao contrário da maioria dos líderes da UE, o presidente francês continuou a conversar com Putin depois da invasão da Ucrânia. Nesta semana, Macron foi à China para pressionar o governo chinês à auxiliar nas negociações de paz.
Após a reunião, Amorim reconheceu, no entanto, que Rússia e Ucrânia preferem continuar lutando a estabelecer uma trégua agora, especialmente com a Ucrânia se preparando para a chamada “ofensiva de primavera”. A ofensiva é uma mega operação militar ucraniana que especialistas supõem que deve acontecer nos próximos meses.
“Não há margem para negociação entre a Rússia e a Ucrânia”
Rubens Barbosa, ex-diplomata brasileiro e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, com sede em São Paulo, disse à Foreign Policy que via com “ceticismo” a possibilidade de negociações de paz no momento. “Não há margem para negociação entre a Rússia e a Ucrânia no momento”, disse ele. “A visita foi um gesto político importante, mas não tem efeito prático”, concluiu.
Ainda assim, acrescentou Barbosa, a viagem de Amorim mostrou que a Rússia valoriza sua relação com o Brasil. O ex-diplomata também demonstrou surpresa com Putin ter recebido pessoalmente Celso Amorim. “Celso é conselheiro e Putin é presidente de uma potência nuclear.”, comentou. Os dois países cooperam há anos por meio do grupo BRICS, que também inclui Índia, China e África do Sul. Barbosa observou também que, se o Brasil continuar mantendo neutralidade no conflito, poderá atuar como um interlocutor confiável na guerra.
A aposta do Brasil é que seus contínuos apelos públicos e privados pela paz podem gerar impulso para que outros países trabalhem pelo fim do conflito. O próprio Lula visitará a China no final deste mês e diz que planeja instar pessoalmente o presidente chinês para auxiliar nas negociações.
Os Estados Unidos é o maior benfeitor da Ucrânia no conflito e até agora tem resistido aos esforços para negociar o fim da guerra. No entanto, o governo brasileiro busca ter voz na arena mundial e esta semana demonstrou-se determinado a usá-la.