O princípio da separação dos Poderes encontra previsão no art. 2º da Constituição Federal, ao dispor que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Espera-se, portanto, que cada um dos Poderes e, por extensão, seus representantes, exerça suas competências com imparcialidade, sem se ater às possíveis consequências que tal exercício venha a provocar nos outros dois. Esse é o ordenamento constitucional e é o que a sociedade espera.
Prática comum em governos oligárquicos, o patrimonialismo – método de se administrar a coisa pública como se privada fosse – é a tendência de que alguns indivíduos em cargos de determinado órgão ou cargo tentem influir em outros para benefício próprio ou de uma classe específica.
Ao confundir-se a fronteira entre o que é particular e o que é público, administração e administradores, que deveriam submeter-se docilmente a princípios como igualdade, moralidade, impessoalidade, etc., podem tornar-se objeto ou sujeitos de artimanhas e de subterfúgios para fazer valer a vontade de alguns.
Os casos descritos na reportagem da Revista IstoÉ que tratava das concessões de medalhas do ex-presidente Jair Bolsonaro a membros de sua própria família são emblemáticos e fornecem exemplo característico do que tratamos aqui.
POMPA E CORDIALIDADE INSTITUCIONAL
No gigantesco organismo estatal brasileiro, não há rival para as Forças Armadas quando se trata de cerimonial, pompa e circunstância. Os enormes espaços abertos da maioria das organizações militares com uma grande tropa ordenada e obediente ao comandante do quartel suscitam uma impressão, que para muitos, é difícil de esquecer.
Imóveis descomunais em áreas cobiçadas, tanques poderosos, navios imponentes, aeronaves de guerra, tudo isso guiado por homens e mulheres capazes e disciplinados, e todo esse bloco inquestionavelmente poderoso nas mãos de uns poucos homens, é algo certamente sedutor.
A percepção superficial de que todo aquele conjunto aparentemente impecável está submetido às ordens de um só homem (ou de uma cúpula destacada) mistura-se à percepção subconsciente de que o mesmo conjunto é atributo e posse legítima desse homem (ou dessa cúpula). Aos que não são habituados à vida militar essa confusão não é muito rara…
Quem não gostaria de fazer parte disso? Quem não gostaria de estar perto desses “poucos homens”?
INFLUÊNCIA SUBLIMINAR
Em 2021, uma Reportagem da Revista Sociedade Militar revelou a “a caixa preta das medalhas” da Marinha do Brasil. Naquela época, políticos de diversos matizes foram agraciados com medalhas de todos os tipos, de maneira indiscriminada e com mínima ou quase nenhuma satisfação ao princípio da publicidade constitucional.
A exemplo da Marinha, a Força Aérea Brasileira tem dezenas de medalhas, umas criadas por decretos presidenciais e outras por lei. Curiosamente existe um instrumento chamado de diploma de “Membro Honorário da Força Aérea Brasileira”, que não é regulado por lei nem por decreto, mas por portaria interna da Força.
Alguém que é membro honorário é geralmente um indivíduo que, apesar de não preencher os requisitos para ser um membro nato, tem fornecido pela instituição esse título, em geral como reconhecimento por sua contribuição significativa para a instituição.
A honraria de ser um membro honorário não é algo estranho às Forças Armadas.
GRATIDÃO E IMPARCIALIDADE
Em 2012, o senhor Dudevant S. T. foi agraciado pelo Exército brasileiro como 3º Sargento Honorário do Exército, tendo prestado pela primeira vez, e em forma, o compromisso à Bandeira Nacional. O sargento Dudevant não recebe salário nem tem vínculo com a profissão militar, exceto o vínculo de honra e de gratidão da Força pelos serviços que ele já havia prestado pela instituição.
Uma olhada rápida no almanaque dos agraciados como membros honorários da Força Aérea, dá-nos os seguintes números e profissionais (alguns do Poder Judiciário) contemplados ao longo dos anos:
- 17 desembargadores,
- 29 juízes,
- 55 advogados,
- 8 advogados da União,
- 29 procuradores (entre eles um Procurador Chefe da União).
Como dito anteriormente, a capacidade que as Forças Armadas naturalmente têm, devido a todos os recursos humanos e materiais à disposição de seus líderes, para impactar emotiva e até psicologicamente seus agraciados com diplomas e medalhas não pode ser menosprezada.
Desembargadores, que são juízes de segunda instância – chamados por isso de “juízes de juízes”, pois podem rever as decisões dos juízes de primeira instância e modificá-las – quando virem suas medalhas ou seus diplomas de honra precisarão ter um duplo senso de isenção e imparcialidade para separar o que é privado do que é público.
Muitos processos contra as Forças Armadas, inclusive a Força Aérea, passarão por essas pessoas. Elas terão a isenção de ânimo e a clareza mental suficientes para não julgarem de forma a beneficiar a instituição que as “adotou” como “membros de honra”?
A VOZ DO POVO
A maioria das opiniões dos leitores da Revista Sociedade Militar nos artigos sobre o assunto leva-nos à conclusão de que muitos acreditam que, embora haja previsão legal para os atos de condecoração, na verdade, o fato em si – o oferecimento de uma medalha ou de um diploma – ganha foro de um ato político, uma espécie de chamamento para perto, um agrado que pretende angariar simpatia de pessoas influentes e que em alguma oportunidade venham a decidir a favor das Forças Armadas.
Alguns comentários podem ser vistos abaixo.
JB Reis. Revista Sociedade Militar