Em novembro de 2012, José Salvador Alvarenga, um pescador de 36 anos nascido em El Salvador, deixou a costa do México em um pequeno barco acompanhado de um jovem marinheiro de apenas 22 anos, Ezequiel Córdoba. Após apenas um dia no mar, uma súbita tempestade atingiu o barco, causando danos irreversíveis à embarcação. Alvarenga, no entanto, era um navegador experiente e sabia que precisava manter a calma. Os dois homens se encontravam a 50 milhas de distância da costa.
O barco estava seriamente com problemas. Graves problemas. Enquanto a tempestade continuava castigando ferozmente a embarcação, água começou a acumular em seu interior. Assim, Alvarenga pilotava, ao mesmo tempo que Córdoba jogava a água freneticamente de volta ao oceano. Era, inegavelmente, uma corrida contra o tempo.
A embarcação onde os homens estavam tinha apenas 25 pés de comprimento. Era certamente um barco pequeno, sem estrutura elevada, sem janelas, sem luzes de sinalização. Ou seja: era praticamente invisível no mar.
Acima de tudo, estava excessivamente carregado. No convés, havia uma caixa de fibra de vidro do tamanho de uma geladeira, abarrotada de peixes frescos. Além disso, o barco estava carregado com diversos equipamentos, incluindo combustível, água, isca de sardinha, 700 anzóis, incontáveis quilômetros de linhas e diversos outros itens de pesca. Tudo isso contribuia para que a embarcação navegasse de modo mais lento e vulnerável.
Retorno à costa
Alvarenga, no entanto, continuava conduzindo, ainda que lentamente, seu barco em direção à costa. À medida que o tempo piorava, contudo, a determinação do jovem Córdoba se desintegrava. Apesar de ser um homem atlético e forte, capaz de trabalhar 12 horas seguidas sem reclamar, o inexperiente marinheiro passava mal com frequência e já não conseguia auxiliar o capitão adequadamente.
Todavia, logo a tempestade deu uma breve trégua e a visibilidade finalmente melhorou.
Então, a linha da costa surgiu no horizonte. Naquele instante, os homens se encontravam a apenas duas horas de terra firme. Subitamente, contudo, o motor parou. Imediatamente, Alvarenga pegou o rádio e ligou para o chefe.
“Willy! Willy! O motor já era!”
“Calma, cara, me passe suas coordenadas”, respondeu Willy, do cais da praia em Costa Azul.
“Não temos GPS, não está funcionando.”
“Baixe a âncora”, ordenou Willy.
“Não temos âncora”, disse Alvarenga. De fato, o capitão havia notado que o item estava faltando antes de partir, mas não achava que precisaria dela em alto mar.
“OK, estamos indo buscá-lo”, respondeu Willy.
À Deriva
Havia mais de 500 kg de peixe fresco a bordo, o que tornava o barco extremamente pesado e instável. Sem tempo para consultar o patrão, Alvarenga decidiu jogar fora todos os peixes. Em seguida, os dois homens também atiraram no mar todo o gelo e a gasolina extra.
Depois disso, Alvarenga amarrou cerca de 50 bóias umas as outras e prendeu-as no barco, improvisando uma “âncora marítima”. A âncora improvisada não serviria para segurar o barco, pois flutuava na superfície, mas proporcionava arrasto e estabilidade à embarcação.
No entanto, a sorte realmente não estava ao lado dos dois homens. De repente, o rádio deixou de funcionar. A falha no motor já era um desastre. Mas agora, sem contato por rádio, não havia mais sequer como pedir ajuda. Na raiva, Alvarenga jogou no mar tanto o rádio quanto o GPS quebrado que estava a bordo.
Agora Alvarenga e Córdoba estavam a deriva e, pior, totalmente sem contato com terra firme.
Perdidos no mar
Com o passar dos dias, Alvarenga e Córdoba tiveram que aprender a sobreviver sozinhos. Ambos desenvolveram novas habilidades de pesca. Aprenderam a capturar pássaros e tartarugas marinhas. Enfim, depois de mais de dois meses no mar, Alvarenga havia finalmente se acostumado à alimentação crua e a beber água da chuva.
Córdoba, no entanto, afundava em um declínio físico e mental. Os dois estavam no mesmo barco, mas seguiam caminhos muito diferentes. Por fim, Córdoba ficou doente e passou a recusar alimentos. A depressão o consumia.
“Estou morrendo. Estou morrendo. Logo, partirei.”, disse o jovem marinheiro, certa manhã.
“Não me deixe só! Você tem que lutar pela vida! O que vou fazer aqui sozinho?”, gritou Alvarenga.
Mas já era tarde. Momentos depois, Córdoba partiu.
Salvador Alvarenga descreveu como foi a despedida do seu companheiro de viagem. O pescador somente se livrou do corpo do amigo 6 dias após sua morte. “Primeiro lavei-lhe os pés. Suas roupas eram úteis, então tirei um short e um moletom.”, contou Alvarenga ao jornal The Guardian. “Depois, joguei ele no mar. Em seguida, desmaiei.”, revelou o sobrevivente.
Terra à vista
Os próximos meses seguiram com a mesma tendência. Sempre através de mares tropicais, ora chuvosos, ora ensolarados, pescando tartarugas e comendo peixe cru. 14 longos meses se passaram.
Em um belo e ensolarado dia, Salvador Alvarenga estava deitado no convés observando o céu quando, de repente, avistou um bando pássaros. Então, uma pequena ilha tropical emergiu no horizonte.
Era um atol verdejante no meio do Pacífico, uma pequena colina rodeada por um caleidoscópio de incríveis águas azul-turquesas.
A mente acelerada de Alvarenga imaginou vários cenários diferentes. O que aconteceria se o barco se afastasse? Já havia ocorrido antes. O navegador tentava captar detalhes da costa. Era uma ilha minúscula, do tamanho de um campo de futebol, calculou. Parecia inabitada, sem estradas, carros ou casas.
Com sua faca, Alvarenga cortou a linha das bóias que traziam estabilidade ao barco. Foi certamente um movimento drástico. Em mar aberto, sem âncora marítima, a embarcação poderia virar facilmente durante uma tempestade tropical.
Alvarenga, todavia, via bem a orla e apostava que, naquele momento, velocidade era mais importante do que a estabilidade.
438 dias à deriva
Uma hora depois, Alvarenga estava bem mais próximo da ilha. A dez metros da praia, mergulhou na água, depois remou “como uma tartaruga” até que uma grande onda o arremessou pra dentro da praia, como um tronco flutuante. O mar retrocedeu, deixando o sobrevivente com a cara enterrada na areia.
“Eu segurei um punhado de areia como se fosse um tesouro”, contou Alvarenga ao The Guardian.
Embora não soubesse, Alvarenga desembarcou na ilhota Tile, uma pequena ilha que faz parte do Atol de Ebon, no extremo sul das 1.156 ilhas que compõem a República das Ilhas Marshall, uma das mais remotas da Terra. Para se ter uma ideia, um barco saindo de Ebon em busca de terra teria que navegar 4.000 milhas a nordeste para atingir o Alasca ou 2.500 milhas a sudoeste para chegar a Brisbane, na Austrália.
Caminhando pelo mato, Alvarenga se viu parado em frente à casa de praia de Emi Libokmeto e seu marido Russel Laikidrik. “Quando o vi”, disse Emi, que trabalha descascando e secando cocos na ilha, “meu primeiro pensamento foi: essa pessoa nadou até aqui, deve ter caído de um navio.”
Logo depois, um grupo, incluindo policiais e uma enfermeira, veio resgatar Alvarenga. Enquanto cuidavam desse homem de aparência selvagem e tentavam obter detalhes de sua jornada, um antropólogo da Noruega de passagem pelo atol alertou o Marshall Islands Journal.
De volta à vida normal
A volta para a vida em terra não foi fácil. Durante meses, Alvarenga viveu por meses em permanente estado de choque. O náufrago desenvolveu um medo profundo não apenas do oceano, mas até mesmo da visão da água. Precisava dormir com as luzes acesas e constantemente acompanhado.
Somente um ano depois, quando a história se dissipou, é que Alvarenga examinou os mapas de sua viagem à deriva pelo Oceano Pacífico. “Passei fome, sede e uma solidão extrema, mas não tirei minha vida”, recorda. Por 438 dias, o pescador viveu no limite da sanidade. “Você só tem uma chance de viver – então aprecie isso.”, concluiu.
Durante sua viagem de mais de 14 meses, José Salvador Alvarenga viajou por cerca de 6.700 milhas através do Oceano Pacífico.