É praticamente impossível dissociar a candidatura presidencial de 2018 e o posterior governo de Jair Bolsonaro da classe militar.
Por exemplo, o lema de sua campanha “Brasil acima de tudo (…)”, acusado por muitos detratores de ser um flerte nazifascista, antes de qualquer interpretação mais ideologizada, era – e ainda é – nada mais do que o lema da Brigada de Infantaria Paraquedista (Bda Inf Pqd), uma das brigadas do Exército Brasileiro, da qual ele já fez parte.
Toda a trajetória do ex-presidente está umbilicalmente conectada aos militares. Desde a juventude na ativa, passando pelas defesas aguerridas por melhores salários para a classe em suas legislaturas; o período entre 2014 – quando o próprio Exército (que antes o banira) forneceu ambiente e público para o lançamento subliminar de sua pré-campanha eleitoral – até 2018, quando a mais alta autoridade da Força terrestre pela primeira vez, depois da redemocratização, manifestou abertamente sua opinião sociopolítica… beneficiando o capitão candidato.
Em abril de 2018, às vésperas do julgamento no STF que definiria se Lula permaneceria preso, o então comandante do Exército Brasileiro, general Eduardo Villas-Bôas, escreveu no Twitter: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.”
Um dia após assumir a presidência da República, Bolsonaro, dirigindo-se ao general Villas Bôas, disse: “O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui.” Ato contínuo, mais de 6 mil militares passaram a ocupar cargos civis no governo Jair Bolsonaro, sendo que alguns pertencentes ao topo da hierarquia foram alçados aos postos mais relevantes da República.
A LEI DO RETORNO SELETIVO
Há poucos dias, por maioria de votos (5 a 2), o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou a inelegibilidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro por oito anos, por prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Walter Braga Netto, que compôs a chapa de Bolsonaro à reeleição, foi excluído da sanção, uma vez que não ficou demonstrada sua responsabilidade na conduta. Ao contrário do capitão, o general saiu ileso, e pronto para concorrer à prefeitura do Rio de Janeiro, cidade que tem a maior guarnição militar do país.
Braga Netto, por sinal, tornou-se conhecido em 2018 por ter sido o interventor federal nomeado pelo presidente Michel Temer no Rio de Janeiro.
CONFIANÇA E RECURSOS
Passados os quatro anos do furacão bolsonarista, as Forças Armadas, que nunca declararam apoio político explícito ao ex-presidente, enfrentam uma crise de imagem nunca antes vista.
Segundo publicação na imprensa, relatório do Instituto Ipsos, só 30% dos brasileiros confiam nas Forças Armadas. Historicamente é o índice mais baixo. Em 2014, quando principiava a “era Bolsonaro”, o índice de confiabilidade, segundo publicação da Fundação Getúlio Vargas, era de impressionantes 68%.
Publicadas pela Revista Sociedade Militar, recentes declarações do comandante da Marinha, almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen expuseram no parlamento brasileiro a situação espinhosa das Forças Armadas: “Esse gerenciamento, essa proteção dos recursos de maneira a propiciar a sua exploração sustentável requer a presença de meios. E a realidade hoje é esta: por imposição e por restrições severas de orçamento, que impedem a devida manutenção ou reaparelhamento da Força, vejam as senhoras e os senhores que eu, até 2028, darei baixa em 40% da Força.”
QUANTO PIOR, MELHOR
Com baixa popularidade nas redes sociais, assistindo à corrosão de sua reputação e correndo um risco possível de reviver um passado amargo, quando as Forças Armadas sempre estavam no final da fila de repasses do Executivo, Exército, Marinha e Aeronáutica investem na autopromoção relacionada a ações sociais como forma de se manterem relevantes para a sociedade.
Um indicativo dessa tendência são algumas publicações mais recentes do site institucional do Exército.
- Exército participará de exercício de ajuda humanitária com militares de quinze países
- Organizações militares se mobilizam em campanha de doação de agasalhos
- Exército presta apoio logístico ao Programa Mais Sorrisos na Amazônia (Integração com a sociedade)
- Comando Militar da Amazônia leva energia limpa e sustentável para comunidade indígena Baniwa (Sustentabilidade)
- Operação Curaretinga II combate crimes na fronteira do Acre
- Exército promove integração com universidades e reforça valores e missão do CIGS na Amazônia
O Relatório feito pelo Comando Conjunto Agata Fronteira Norte foi publicado no sites do Exército e da Força Aérea Brasileira.
Segundo o documento, “foram apresentados números positivos que apontam uma marcante redução das atividades ilegais de garimpo na região, além de um significante esforço de ajuda humanitária aos indígenas.”
“Nas áreas dos garimpos” viu-se “a efetividade das ações de combate à mineração ilegal. Tais áreas já se encontram em processo de recuperação natural. Após 4 meses sem os níveis de degradação ambiental causados pelo garimpo, as áreas afetadas possuem vegetação em crescimento. Além disso, observou-se também a mudança da cor da água.”
“Esse registro está em paralelo com um levantamento efetuado pela Polícia Federal nas últimas semanas, que revela a interrupção do avanço do garimpo. (…) “Essa foi a primeira vez, desde o início desse tipo de monitoramento, em agosto de 2020, que se observa a ausência de alertas de garimpos por um período tão longo de tempo.”
A matéria promocional das ações militares traz números sobre atendimentos aos indígenas, estimativa de prejuízos causados ao garimpo ilegal, entre outras estatísticas, que comprovariam “a efetividade na sinergia entre as Forças Armadas e os demais órgãos e agências envolvidos nas operações.”
É meramente objeto de conjetura supor que o envolvimento entre Bolsonaro (política) e as Forças Armadas (militares) em 2014 se deveu ao altíssimo índice de popularidade conquistado pela classe, mas, agora que o capitão “ficou para trás”, transcende o terreno da teoria o fato de que os militares terão um trabalho de Hércules pelos próximos anos para reerguer o sólido edifício da confiança popular que construíram entre 1985 e 2014.
JB Reis – Revista Sociedade Militar