Sobibor (2018) não é o primeiro filme que aborda a mais famosa e “bem sucedida” fuga de um campo de extermínio nazista. Entretanto, este filme russo traz, através dos sotaques e da língua, um pouco mais de proximidade ao que se passou. Voltado a salientar a terrível participação dos integrantes do Exército alemão no gradual e metódico extermínio de judeus, o filme põe o espectador em um ponto relativamente desconfortável: o de observador passivo, incapaz do mínimo esforço para impedir algo que até hoje choca o mundo.
O tema da vida (e morte) nos campos de concentração é inesgotável. O motivo para tal afirmação se dá não somente pela curiosidade histórica, mas por causa da forma como obras assim nos reaproximam de duas características da índole humana: a esperança e a maldade.
Sobibor é uma história que aborda a esperança diante do inevitável confronto com a maldade. O longa é baseado em fatos reais, e tem cenas tão impactantes e cruéis quanto às presentes em A Lista de Schindler. Não há como desvincular os atos dos militares das Forças Armadas alemãs daquilo que ficou conhecido como Holocausto.
História.
Sobibor foi um campo de concentração real. A forma como recebiam os prisioneiros servia para não criar tumulto entre os novos “moradores”, visto que a rebelião seria uma constante, caso soubessem o que estaria à frente.
O modus operandi é típico dos mais notórios campos Nazistas. Eles enganavam, simulavam cortesia para ter a cooperação e obediência dos judeus. Tal qual gado, boa parte deles, inclusive crianças, era guiada para o abatedouro.
Não há como ficar alheio aos acontecimentos em tela. São homens, mulheres e crianças submetidos às mais cruéis práticas que possamos imaginar. Mas isso ganha ainda mais impacto quando percebemos que ser mantido vivo é uma tortura, já que parentes e amigos dessas pessoas são mortas diariamente, queimadas e jogadas no ar em forma de fuligem.
Como ter um único segundo de paz? Como manter o ódio longe do coração ao”viver” em um matadouro, ciente de que a sua vez chegará?
Podridão.
A trama de Sobibor não é voltada a destacar a importância de um indivíduo. No longa, o que fica destacado é o caminho entrelaçado de predadores e presas. Assistir a esse longa é um exercício de reflexão sobre como o mal pode fazer morada no coração dos que detém o poder.
Em consequência, dominadores e dominados convivem em um sutil equilíbrio, este passível de ruptura a qualquer segundo.
Cenas que incomodarão.
Sobibor possui cenas fortíssimas. A tortura física é uma constante para os judeus prisioneiros, porém é na tortura psicológica que os nazistas focam. Ver os judeus sofrendo, sentir o temor deles pela morte iminente é algo quase prazeroso para os militares que comandam o campo de concentração.
Para o espectador, cuja alma ainda tenha a mínima compaixão, um ponto desconfortável é assistir os rituais diários de castigo e tortura. Mesmo que saibamos se tratar de um filme, nada nos impede de absorver o impacto emocional da destruição física, mental e espiritual de um povo.
Baseado em fatos reais.
Mais do que baseado em fatos reais, o filme é baseado no livro escrito pelo líder dos rebelados em Sobibor, Alexander “Sasha” Pechersky (interpretado pelo ator russo Konstantin Khabensky). Outro herói – e o último sobrevivente a falecer – foi Semion Rosenberg, interpretado por Gela Meschi. Ambos aparecem na foto real abaixo.
Fé.
No decorrer da história é possível ver que em situações extremas – como a dos campos de concentração, cárceres ou mesmo diante da morte – muitos se sustentam apenas por manter o mínimo vínculo com Deus, com a fé.
Judeus foram obrigados a ver seus familiares e amigos sendo mortos em câmaras de gás, torturados, humilhados e queimados em fornos. Eles tinham seus corpos cobertos pelas cinzas de pessoas amadas que, apenas alguns minutos antes, estavam bem e ao seu lado. Não há como imaginar a menor fração dessa dor, da angústia em ter que permanecer vivo, mesmo que o coração já esteja “morto”.
Tenha você, leitor, fé ou não, o fato é que ela foi de vital importância para a continuidade de um povo.
O povo “escolhido”.
O longa nos apresenta muitas cenas cruéis, mas é na perseguição a alguns indivíduos que encontramos as partes mais incômodas. Afinal, matar é um ato extremo que encerra a dor e o sofrimento, ao passo que a tortura e a perseguição garantem a diversão dos nazistas.
O oficial comandante do campo de concentração, interpretado pelo eterno Highlander, Christopher Lambert, é um claro exemplo de indivíduo que sente prazer ao impor o terror aos prisioneiros, mas ele também tem traços de problemas advindos da infância, algo que obviamente não justifica seu sadismo.
Para dar clareza ao subtítulo acima, o povo “escolhido” a que me refiro são os indivíduos que passam a figurar na lista de alvos mais previsíveis dos nazistas. Alguns ganham o ódio de forma gratuita, mas há também aqueles que passam a sofrer uma perseguição maior por causa de sua resistência ao cárcere. Para os alemães, um judeu forte o suficiente para passar por todas as agruras era, em essência, um exemplo aos demais, um incentivo à luta, ainda que seja apenas a luta interna.
Líderes.
Em situações extremas é comum o surgimento de lideranças. Homens e mulheres passam a guiar seus iguais, já que é da índole humana a busca por alguém que esteja à frente dos conflitos. Entretanto, infelizmente, os líderes judeus em um campo de concentração poderiam ser alvos de seus próprios irmãos.
Líderes podem conduzir o povo e mantê-lo coeso. Também podem ser os fios condutores de uma rebelião, mas o fato é que dificilmente esses indivíduos passam despercebidos pelos seus algozes.
Desta forma, uma vez identificados, os nazistas criaram um método para desestimular o surgimentos dessas lideranças: ao invés de puni-los, o castigo (inclusive a execução) era direcionado ao grupo, o que colocaria sobre seus ombros um pesado fardo.
Fidelidade histórica.
A essência dos fatos apresentados no filme é condizente com os fatos históricos. Entretanto, a idealização de algumas personagens tem a óbvia função de emocionar os espectadores.
Entretanto, apesar de um relativo apuro histórico, a principal função de uma obra deste porte é, indubitavelmente, incentivar que o público busque mais informações sobre o fato histórico. Muito mais do que o simples entretenimento, Sobibor é um filme cuja missão é manter acesa a chama do combate a todos os regimes totalitários e voltados a eliminar as “ameaças”.
Elenco.
O elenco conta com uma variedade de nacionalidades, incluindo russos, poloneses, austríacos e lituanos. Suas origens trazem mais veracidade às interpretações que, via de regra, são convincente e marcantes. Destaque para o imortal Highlander, Christopher Lambert, cuja interpretação dá vida ao sádico e louco comandante de Sobibor, Karl Frenzel.
Mas fiquem atentos aos demais integrantes do filme. São muitos os que ganham destaque e pertinência, indo além da óbvia aparição prevista em roteiro.
Conclusão.
O longa-metragem é uma reconstituição dos momentos que antecederam a famosa fuga do campo de extermínio de Sobibor. Óbvio que há um tom emotivo em toda a obra, fato mais do que justificado pela dramaticidade dos acontecimentos reais. Mas é claro que o filme não é apenas uma produção voltada a emocionar. Em toda a trama é possível identificar a busca para destacar a força de vontade dos judeus para sobreviver, assim como é ponto indissociável do filme a caracterização dos alemães que oscila entre os mais radicais e fanáticos até os que tem uma “justificativa” para seus atos.
Sendo justo, Sobibor tem uma vertente de alerta, visto que ao vermos a reconstituição de atos brutais, covardes e extremamente cruéis, passamos a ter uma melhor noção, algo além do que é visto em livros.
O filme é desconfortável em várias passagens. Não cabe comparação, mas A Lista de Schindler tem um tom dramático mais velado, ao passo que Sobibor opta por destacar o sofrimento do povo judeu, tal como se realmente fôssemos espectadores das atrocidades praticadas. Há diversas partes em que o estômago do espectador mais sensível ou suscetível às emoções irá embrulhar. Isso, porém, é resultado de uma história que cativa o espectador e o conduz pelos meandros de uma das instalações mais nefastas da história da humanidade.
Em suma, Sobibor é destinado para um público mais forte emocionalmente. Indivíduos com problemas comportamentais, psicológicos ou algo similar terão, inevitavelmente, uma absorção maior de cada uma das vidas (e mortes) retratadas. Ainda assim, não resta dúvida de que este é um filme que merece ser visto.