Será que ainda existe alguma coisa a se mostrar sobre a Grande Guerra (ou Primeira Guerra Mundial)? A resposta a esse questionamento está no excepcional documentário “Eles não envelhecerão” (They Shall Not Grow Old), disponível no Prime Vídeo. Dirigido por Peter Jackson (O Senhor dos Anéis), a obra traz à tona as filmagens que estavam “perdidas” na História. Com maestria e um trabalho primoroso, o diretor e produtor trouxe às telas a verdadeira realidade sobre a vida dos combatentes da Tríplice Aliança e um pouco da vida dos combatentes inimigos, sobretudo os alemães.
Muito trabalho.
Apesar de se tratar da recuperação de algumas filmagens de época, o documentário vai muito além disso. Houve um gigantesco trabalho de restauração das cenas, a colorização e um grande esforço para entregar o som mais próximo da realidade possível. Acrescentemos a isso um longo período de edição, a coleta dos depoimentos dos combatentes sobreviventes, além de uma grande coerência naquilo que foi exposto com o resultado final.
Peter Jackson não precisou incluir a face de nenhum ex-combatente, mas foi feliz ao incluir seus depoimentos que, de modo surpreendente, estão quase em sincronia com as cenas, o que denota o esforço na edição do documentário.
De meninos a homens.
Há uma óbvia ligação entre o tempo vivido e a geração que dele virá. O início do século XX não foi fácil. E logo em sua segunda década ele foi brindado com uma guerra que tomou proporções globais. Entretanto, apesar dessa complexa situação, os garotos daquele período se mostraram muito mais maduros do que a idade deixava transparecer.
Na verdade, em prol de valores que hoje alguns querem destruir, esses meninos optaram por abandonar o conforto de suas vidas e partir para lugares não anunciados e, uma vez lá, expor a vida para tentar manter a soberania e a liberdade em seu país. Isso foi algo comum que perdurou por toda a Grande Guerra.
Infelizmente, como em todos os ambientes de guerra, muitos não voltaram. Alguns, aliás, tiveram o campo de batalha como seu túmulo. Isso não foi suficiente para desanimá-los. Estar ao lado de um amigo e lutar até o fim por um ideal era, em resumo, mais importante do que sobreviver. Não haveria honra em abster-se do combate quando amigos, vizinhos e parentes se expunham ao risco de morte, às agruras e ao horror da guerra.
Muitos ficaram no front e serão lembrados com honra. Contudo, aos que regressaram, certamente familiares e amigos viram que os que retornaram não eram mais meninos, e sim homens cuja coragem foi moldado pelo flagelo da guerra.
Realidade nua e crua.
“Eles não envelhecerão” não é uma obra para pessoas sensíveis. Os comentários, as lembranças e as cenas são as mais cruéis possíveis. Isso, obviamente, não foi feito com o intuito de ofender ou ser sádico. Ao contrário, o que Peter Jackson quis ao produzir e dirigir esse documentário foi apenas destacar que as guerras não têm absolutamente nada de poético. Não há trilha sonora, slow motion ou um amor pós-guerra. Em geral, a guerra é a responsável por traumas que perdurarão pela vida, mas o pior está no fato de nada ser capaz de apagar as experiências traumáticas e dolorosas vividas pelo combatente.
A tudo que foi dito acima, podemos acrescentar que – em combates tão longos – nada será igual quando o sobrevivente retornar à sua pátria. Ele estará diferente, as pessoas que ficaram não são mais as mesmas, os amigos que partiram para a guerra morreram ou foram gravemente afetados e, claro, o próprio sobrevivente é outro indivíduo, infinitamente diferente daquele inocente garoto que partiu para lutar por seu país e sua honra.
Por que assistir?
Eles não envelhecerão é um documentário indispensável para quem ama História. Todavia, não se trata apenas de um documentário, já que estamos falando de uma verdadeira aula para todos que minimizam os impactos de uma guerra, seja qual for a motivação desta.
Com o uso de uma narração em “off” feita por combatentes que participaram do conflito, estes já mais velhos, o documentário cativa o espectador que vê as cenas, ouve o que os “atores” estão dizendo e ainda tem como complemento as narrativas e experiências passadas pelos veteranos.
Outro fator importantíssimo está na veracidade das cenas captadas. Bombas arremessam centenas de quilos de terra para o alto, corpos estão espalhados e em processo de decomposição ao lado dos soldados vivos, a comida é ruim e a fome é uma constante, doenças estão em cada metro cúbico das trincheiras, tal qual a morte que – insistentemente – persegue cada um dos soldados, sejam eles britânicos ou alemães.
Não há espaço para ilusão. Os devaneios são – em geral – presenteados com um disparo fatal. O seu melhor amigo pode se tornar, em segundos, um cadáver. A sobrevivência é tão difícil que torna os homens cada vez mais insensíveis, capazes de rir da própria desgraça, alheios aos mortos que são sugados pela lama da Terra de Ninguém.
Hoje temos uma parcela da população que prefere minimizar os estragos provocados pelos conflitos armados. Para estes, o documentário que Peter Jack nos concede é uma resposta à altura e um esclarecimento que deveria ser visto por todos, mesmo sendo tão brutal e cruel.