Curiosamente, a resposta pra esta pergunta é um sonoro sim. Quer dizer, talvez nem tão sonoro assim. Mas, bem, guerra é guerra, não é mesmo?! E essa foi disputada contra ninguém mais, ninguém menos, do que um dos membros fundadores da OTAN.
E você aí achando que eu ia vir com um paiseco de nada, né?
Mas calma. Sente-se, relaxe, enquanto eu lhe conto esta inacreditável história.
Tudo começou no longínquo ano de 1961…
No ano de 1961, pescadores franceses, que se divertiam muito pescando na Mauritânia, começaram a achar que a pesca ali, que era muito lucrativa, podia dar ainda mais grana. Foi então que decidiram explorar novos mares, cruzando o Atlântico e estabelecendo-se ao largo da costa Brasileira, em uma área onde lagostas são encontradas em abundância.
Os pescadores brasileiros locais reclamaram que grandes barcos com bandeira francesa estavam vindo pescar lagostas em áreas do estado do Pernambuco, acabando com seus negócios. Suas reclamações foram ouvidas, chamando a atenção do almirante brasileiro Arnoldo Toscano.
O almirante ordenou que duas corvetas fossem até a área onde os barcos de pesca franceses estavam localizados pra ver exatamente qual era o problema.
O problema, meu filho, eu vou te dizer qual é o problema: é que as alegações dos pescadores brasileiros eram verdadeiras.
Início das tensões
O capitão do navio brasileiro disse aos franceses pra voltarem pra águas profundas e deixarem aquela área para que os barcos pesqueiros menores operassem.
Jânio Quadros, o presidente da época, também ficou chateado com essa descoberta. Mas não se abalou. Ele também exigiu que a frota de barcos pesqueiros franceses voltasse para as águas internacionais, longe da costa do Brasil.
No entanto, os franceses acharam que, nah, a gente está bem aqui, obrigado. Os marinheiros do país europeu achavam que tinham todo o direito de capturar lagostas naquelas águas que, consideravam, eram internacionais e portanto, propriedade de todos.
A situação começou a ficar muito tensa. Os franceses não apenas rejeitaram a demanda do capitão brasileiro, como transmitiram uma mensagem por rádio pedindo ao governo francês que enviasse escolta para acompanhar os barcos de lagosta.
Esse ato imprudente foi recebido como uma afronta pelo governo brasileiro, que por sua vez disse pra Marinha mobilizar vários dos seus navios na região, colocando-os em estado de alerta.
Meus amigos, vai começar a Guerra da Lagosta.
A Guerra das Lagostas
Enquanto nossa armada estava sendo mobilizada, armada, equipada e preparada psicologicamente, o ministro das Relações Exteriores da época, Hermes Lima, emitiu um comunicado dizendo que a atitude da França era inadmissível e que o governo brasileiro não iria recuar de jeito nenhum.
O presidente francês, Charles de Gaulle, diretamente do outro lado do oceano, também não estava nada feliz com essa situação. De Gaulle acreditava que o Brasil estava agindo de forma desrespeitosa com relação à França, que isso não se faz, blablabla, croissant abajour petit-four.
No dia 2 de janeiro 1962, a marinha do Brasil confiscou o navio pesqueiro francês Cassiopée, que, alegou-se, estava pescando indevidamente. Como resposta, Charles De Gaulle decidiu despachar um destróier, o Tartu, um navio de guerra de 2750 toneladas, para manter a segurança dos navios de pesca franceses. A coisa estava pra esquentar de verdade. Aparentemente, os franceses não estavam mesmo de brincadeira.
No entanto, o Tartu nunca chegou a se encontrar com a frota de barcos de pesca da França. Vendo que a coisa ia escalar, e querendo demonstrar que aqui tem café no bule, a Marinha do Brasil decidiu interceptar o destróier, usando nada menos do que um cruzador e um porta-aviões.
Tribunal internacional entra em jogo
O Brasil também não estava pra brincadeiras com essa tal Guerra da Lagosta. Embora nenhum tiro havia sido disparado até então, a situação estava incrivelmente tensa. O governo brasileiro passou a negar qualquer acesso à pescadores franceses dentro de 160 quilômetros da nossa costa.
Nós tínhamos um argumento plausível. Os brasileiros alegavam que lagostas são como ostras, que se agarram ao fundo do mar e rastejam ao longo da plataforma continental e, portanto, pertencem ao continente (presta atenção nessas palavras).
Os franceses discordavam, alegando que as lagostas são como peixes, que nadavam em mar aberto, e que, portanto, não pertenciam à plataforma continental. Por isso, qualquer um que dispusesse de meios poderiam pescá-las.
Em abril de 1963, ambas as nações estavam considerando se deveriam ou não entrar em guerra de fato por conta das lagostas.
Depois de muito empurra-empurra, muito jogo diplomático e várias ameaças de ambos os lados, a questão finalmente foi levada a um tribunal internacional. No final das contas, todo o incidente se resolveu com a expansão das águas territoriais do Brasil para uma zona de 200 milhas, colocando a tal região cheia de lagostas dentro do território brasileiro. Em troca, o acordo permitiu que 26 navios pesqueiros franceses capturassem lagostas durante uma área especialmente demarcada dentro de um período de cinco anos.
Foi um conflito aparentemente bastante sem graça, mas que estabeleceu vários novos parâmetros internacionais pra lidar com essas questões, entre eles, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, um tratado multilateral entre vários países que nasceu com o objetivo de definir zonas de exploração de recursos naturais no oceano.
E depois?
Em 1966, os franceses ainda insistiam nas cortes internacionais de que a lagosta “pula” no fundo do mar e que, portanto, deveria ser considerada um peixe. Na época, o almirante Paulo Moreira da Silva, enviado para auxiliar nesse debate, argumentou que o Brasil estava disposto a aceitar a tese científica francesa de que a lagosta é um peixe porque “pula” no fundo do mar, desde que eles aceitassem a nossa tese científica de que, já que um canguru “pula”, deveria ser considerado um pássaro.
Nós ganhamos a causa.