O fim do ano está se aproximando e, com ele, também se aproxima o aniversário de dois anos da invasão da Ucrânia pela Rússia. Em fevereiro de 2022, os russos cruzaram a fronteira do país vizinho, iniciando uma guerra que não dá sinais que se encerrará em breve.
Este ano também marcou o 90º aniversário de outra tragédia ucraniana perpetrada pelos soviéticos, o chamado genocídio do Holodomor.
O Holomodor foi uma tragédia que matou quase quatro milhões de pessoas de fome, privou a Ucrânia da sua independência e, pra piorar, ainda foi negada pela União Soviética por décadas.
90 anos atrás, uma tragédia sem precedentes
Entre os anos de 1932 e 1933, uma fome provocada pelo homem devastou a República Socialista Soviética Ucraniana, levando a morte de milhões de pessoas. Embora tenha sido oficialmente negada pelo Kremlin durante mais de 50 anos, o evento “mudou dramaticamente a sociedade e a cultura ucranianas, deixando cicatrizes profundas na memória nacional”, escreveu Serhii Plokhy, historiador ucraniano.
O nome “Holodomor” é derivado das palavras ucranianas para “fome” ( holod ) e “matar” ( mor ). O tema, no entanto, tem sido uma questão de disputa entre a Ucrânia moderna e a Rússia.
A Ucrânia já declarou oficialmente a fome como genocídio em 2006 e pressiona a comunidade internacional para fazer o mesmo.
A Rússia, no entanto, opõe-se ao rótulo, chamando-o de uma “interpretação nacionalista” da fome. O Kremlin insiste que, embora o Holodomor tenha sido uma tragédia, não se tratou de um evento intencional e que outras regiões da União Soviética também sofriam naquela altura.
A fome devastou principalmente – e ironicamente – regiões que eram produtoras de cereais da URSS. Estima-se que entre 5,7 e 8,7 milhões de pessoas morreram de fome e de doenças associadas entre 1930 e 1933.
Origens do genocídio
Em 1928, Joseph Stalin decidiu que a sobrevivência da URSS dependia de uma rápida industrialização. O seu primeiro Plano Quinquenal decretou que as propriedades privadas deveriam ser fundidas em quintas coletivas e geridas segundo a linha dos comunistas. Pela lógica do governo soviético, isso acarretaria em aumento da produção, o que permitiria não só alimentar os trabalhadores das fábricas, mas ainda sobraria para exportar para outros países.
Contudo, o que se sucedeu foi que o confisco de terras, juntamente com um mau planeamento, levou a niveis atrozes de produção. Quando as más colheitas levaram à fome generalizada no início da década de 1930, Stalin aumentou a aposta, confiscando dessa vez o próprio abastecimento alimentar dos camponeses para tentar cumprir quotas excessivamente otimistas.
Ao mesmo tempo, os soviéticos acusavam os kulaks, como eram chamados os camponeses proprietários de terras, de sabotagem e acumulo ilegal de grãos. Os kulaks passaram a ser considerados inimigos, com muitos sendo mortos ou enviados para gulags, as prisões soviéticas.
Porque é que a Ucrânia foi particularmente afetada?
Um quarto do solo mais fértil do mundo está na Ucrânia, que é famosa como exportadora de grãos desde os tempos antigos. Os bolcheviques dependiam muito dos seus cereais, mas desconfiavam profundamente dos ucranianos.
Após a Revolução Russa de 1917, uma república independente foi declarada na Ucrânia. Posteriormente, uma série complexa de conflitos violentos foram travados, até que finalmente, a Ucrânia se tornou parte da URSS, em 1922.
Contudo, quando Stalin escolheu a Ucrânia para realizar sua rápida coletivização da produção, muitos camponeses resistiram, alguns deles violentamente. Os soviéticos apontaram esta resistência como um dos fatores responsáveis pelas perdas de colheitas. No final, os comunistas e intelectuais ucranianos foram responsabilizados, com os soviéticos ainda mais determinados em extrair o máximo de cereais possível da Ucrânia.
“As pessoas não tinham mais nada a fazer senão morrer.”
Joseph Stalin queria subjugar o campesinato rebelde ucraniano e forçá-lo a trabalhar em fazendas coletivas. A ferramenta usada pelo ditador foi a fome. Por isso, o Kremlin requisitou mais cereais do que os agricultores podiam fornecer. Quando resistiram, brigadas de ativistas do Partido Comunista varreram as aldeias e levaram tudo o que era comestível.
Em 2013, a ucraniana Nina Karpenko, então com 87 anos, contou em entrevista à BBC como conseguiu sobreviver.
“Um pouco de fubá barato, palha de trigo, folhas secas de urtiga e ervas daninhas”, disse a ucraniana na ocasião. “As brigadas levaram todo o trigo, cevada – tudo – então não sobrou nada. Até mesmo feijão que as pessoas reservaram por precaução.”, declarou.
“As brigadas rastejaram por toda parte e levaram tudo. As pessoas não tinham mais nada a fazer senão morrer.”
O Holomodor certamente causou feridas profundas na sociedade ucraniana. Por isso, até hoje, os ucranianos relembram a data como símbolo da importância da luta pelos direitos humanos, da adesão às normas internacionais e aos valores da paz.