Em uma entrevista de 1968, a BBC conversou com J.R.R. Tolkien sobre suas experiências durante a Primeira Guerra Mundial e como elas influenciaram profundamente sua obra épica de fantasia, “O Senhor dos Anéis”. Durante a entrevista, Tolkien explicou que as histórias humanas são essencialmente sobre a morte e a inevitabilidade dela. Esta reflexão sobre a mortalidade é central para entender a profundidade e os temas recorrentes em sua aclamada trilogia.
Publicado pela primeira vez há 70 anos, “O Senhor dos Anéis” rapidamente se tornou um best-seller e uma obra fundamental do gênero fantasia. Com sua construção de mundo intricada e histórias detalhadas de terras povoadas por elfos, hobbits e magos, ameaçadas pelo maligno Sauron, o livro cativou leitores ao redor do mundo. Porém, por trás dessa fantasia, encontra-se a sombra das experiências traumáticas de Tolkien na Primeira Guerra Mundial.
Tolkien nasceu em 1892, na África do Sul, de pais britânicos. Após a morte precoce de seu pai, a família mudou-se para a Inglaterra, onde enfrentou dificuldades financeiras. A morte de sua mãe quando ele tinha apenas 12 anos foi um golpe devastador, e ele e seu irmão ficaram sob a tutela de um padre. Estes primeiros encontros com a morte e a perda deixaram marcas profundas no jovem Tolkien.
Estudante brilhante, Tolkien ganhou uma vaga na Universidade de Oxford, onde se destacou em línguas. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, ele adiou o alistamento para terminar seus estudos, mas eventualmente foi comissionado como segundo tenente e enviado ao front ocidental. Em 1916, ele participou da Batalha do Somme, uma das mais sangrentas da história, onde a brutalidade da guerra de trincheiras deixou marcas indeléveis nele.
O horror das trincheiras e a perda de amigos próximos influenciaram profundamente a descrição dos campos devastados de Mordor em “O Senhor dos Anéis”. As máquinas de guerra orques e a devastação causada pelo mago corrompido Saruman refletem as atrocidades da guerra mecanizada que Tolkien testemunhou. O próprio autor usava sua escrita como uma forma de exorcizar os horrores que vivenciou durante a guerra.
As paisagens descritas por Tolkien em sua obra também são inspiradas pela mistura da beleza campestre da Inglaterra e a industrialização de Birmingham, onde cresceu. Esta dualidade entre o natural e o industrial permeia “O Senhor dos Anéis”, ilustrando a tensão entre a natureza e o progresso destrutivo.
A amizade inabalável entre Sam e Frodo, os dois hobbits protagonistas, é um reflexo da camaradagem profunda formada entre soldados durante a guerra. Tolkien afirmou que a relação entre os jovens oficiais e seus assistentes pessoais no campo de batalha inspirou a dinâmica entre os personagens.
Embora as experiências de guerra tenham adicionado profundidade e autenticidade ao mundo mitológico criado por Tolkien, ele sempre negou que “O Senhor dos Anéis” fosse uma alegoria direta da Primeira Guerra Mundial ou de qualquer evento específico da história. Em suas próprias palavras, as pessoas não compreendem a diferença entre alegoria e aplicação. Para Tolkien, as pessoas podem aplicar os temas de sua obra a diversos contextos, mas não foram criados como alegorias explícitas.
A duradoura popularidade de “O Senhor dos Anéis” pode ser atribuída à sua exploração de temas universais como guerra e trauma, industrialização e a desolação do mundo natural, a corrupção do poder e a força da amizade em meio à adversidade e perda. Estas temáticas ressoam profundamente, transcendem eventos históricos específicos e continuam a cativar leitores de todas as gerações.