Há mais de cinco séculos, a Suíça é sinônimo de neutralidade. Este pequeno país no coração da Europa conseguiu se manter à margem dos conflitos mais devastadores do continente, incluindo as duas guerras mundiais que devastaram a Europa no século XX. No entanto, a invasão russa da Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022 pelo presidente Vladimir Putin, abalou os fundamentos da política de neutralidade geopolítica suíça, provocando um intenso debate sobre se a Suíça deveria reconsiderar sua posição histórica.
Suíça: da infantaria mais formidável da Europa à neutralidade geopolítica
A neutralidade da Suíça tem suas raízes em um conflito que remonta a 1515, quando o recém-coroado Francisco I da França, apoiado pela República de Veneza, enfrentou a Confederação Suíça na Batalha de Marignano, perto de Milão. Os suíços, que eram considerados a infantaria mais formidável da Europa, foram surpreendidos pela força combinada dos franceses e seus aliados mercenários germânicos. Após dois dias de combates intensos, os suíços sofreram o dobro de baixas que os franceses, resultando em uma derrota contundente.
Este revés levou os suíços a assinarem a Paz Perpétua em 1516, um acordo com a França e o Duque de Milão que marcou o primeiro grande pacto de neutralidade da Suíça. Este tratado cimentou a posição da Suíça como um país neutro, uma postura que, com a exceção de uma invasão francesa no século XVII, manteve-se por mais de cinco séculos. A neutralidade suíça foi formalmente reconhecida em 1815, no Congresso de Viena, quando as potências europeias concordaram que a Suíça deveria permanecer neutra para sempre.
Uma mudança na política de neutralidade em resposta à invasão da Ucrânia
A invasão da Ucrânia pela Rússia foi vista por muitos na Europa como uma ruptura de um acordo tácito que existia no continente: a ideia de que nenhuma nação iniciaria uma guerra de expansão e conquista territorial na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Este acordo era um dos pilares fundamentais sobre os quais se sustentava a neutralidade suíça na era contemporânea. A neutralidade da Suíça, embora adaptada ao longo do tempo, sempre se manteve firme em não se alinhar diretamente com nenhuma potência beligerante. No entanto, a agressão de Putin colocou esse princípio em xeque.
No dia 29 de agosto de 2024, um grupo de políticos, diplomatas, analistas e militares suíços apresentou um relatório ao governo suíço recomendando uma revisão de sua política de neutralidade. Segundo este grupo, a invasão russa da Ucrânia criou um novo contexto geopolítico que obriga a Suíça a reconsiderar sua postura neutra. Este relatório sugere que a Suíça deveria buscar uma maior aproximação com a União Europeia e a OTAN, algo que até pouco tempo atrás era impensável para um país que manteve sua neutralidade por mais de cinco séculos.
Expansão territorial da Rússia pode se estender além da Ucrânia
A revisão da política de neutralidade suíça poderia levar a um relaxamento ou até ao abandono parcial dessa postura histórica. Este processo está ocorrendo em um contexto onde outros países tradicionalmente neutros, como Suécia e Finlândia, já abandonaram sua neutralidade e se juntaram à OTAN em resposta à ameaça russa. Esses países argumentam que a agressão de Putin destruiu os pilares sobre os quais se sustentavam suas políticas de neutralidade, levando-os a buscar proteção na aliança militar mais poderosa do mundo.
A Suíça, embora geograficamente distante da Rússia e cercada por países membros da OTAN, enfrenta um dilema semelhante. O temor de que a expansão territorial da Rússia pudesse se estender além da Ucrânia levou os suíços a reconsiderar sua postura. Uma das primeiras medidas práticas sugeridas pelo grupo de especialistas suíços é o levantamento da suspensão da venda de armas para países aliados da Ucrânia, uma política que a Suíça adotou no início da invasão para evitar que suas armas fossem utilizadas no conflito.
O futuro da neutralidade geopolítica Suíça
A neutralidade suíça tem sido um baluarte por mais de 500 anos, permitindo que o país se mantivesse à margem dos conflitos europeus mais devastadores. No entanto, o contexto geopolítico atual é muito diferente do período da Guerra Fria, e muitos na Suíça argumentam que é necessário e urgente revisar essa política para se adaptar às novas realidades. O relatório do grupo de especialistas suíços sugere que, embora a neutralidade não deva ser completamente abandonada, deve ser reformulada para enfrentar as ameaças atuais.