Os atos do 8 de janeiro foram vistos por muitos como resultado de uma manipulação emocional e política de grande parte da população, e foram interpretados por analistas como uma tentativa mal-sucedida de intervenção militar ou, mais amplamente, como uma “Operação Psicológica” (PsyOp). O livro Roteiro de um Golpe Fracassado – Operações Psicológicas, do autor J. Gretzitz, traz interpretações interessantes sobre o tema, para alguns assertivas e para outros, incômodas.
A operação psicológica: fracasso ou manipulação ineficaz?
De acordo com a obra do autor J. Gretzitz, com mais de 400 páginas, o fenômeno que culminou em janeiro de 2023 pode ser entendido como uma experiência de controle mental coletivo feita por militares do Exército Brasileiro. Segundo explica o autor, trata-se de uma manipulação psicológica sofisticada, que buscava influenciar as emoções e crenças de milhões de brasileiros, de modo a provocar comportamentos predeterminados, como a adesão a teorias conspiratórias e a defesa de uma intervenção militar.
Segundo o manual do Exército Brasileiro, citado no livro, as operações psicológicas visam, entre outros objetivos, “minar a estrutura política do inimigo” e “nutrir comportamentos desagregadores e anti-políticos”. Assim, fica claro – de acordo com a obra – que a manipulação midiática e a construção de uma narrativa de desinformação foram elementos essenciais para mobilizar essa parcela da população. Entretanto, como evidenciado pelos desdobramentos dos acontecimentos de janeiro, o resultado foi um fracasso, tanto pela incapacidade de efetivar uma mudança de regime, quanto pelos danos colaterais à imagem pública dos movimentos envolvidos.
Para o autor o Exército é o responsável pela existência do Bolsonarismo
Segundo Gretzitz , o manual de “Operações de Informação” do Exército deu o passo a passo para a criação da “Narrativa Dominante”, que: “foi usada para que o Partido Militar pudesse chegar ao poder, se manter no poder e se incrustar no atual governo, sem que os cientistas, políticos e jornalistas se dessem conta … Na verdade os militares criaram o bolsonarismo usando para tal a figura do inexpressivo político como fantoche e perfeitamente doutrinado na linha política que lhes garantiria o pleno acesso ao mundo da política para influenciá-la e conduzi-la na direção que levaria a uma tomada definitiva do poder”.
O uso da psicologia social: o comportamento de rebanho, uma manobra de controle coletivo
Para compreender os mecanismos por trás dessa intrincada operação, o escritor recorre aos estudos clássicos da psicologia social. Solomon Asch, psicólogo polonês, demonstrou em seus experimentos de conformidade, na década de 1950, que o desejo de pertencimento a um grupo pode suprimir as opiniões individuais e a capacidade de crítica. Esse comportamento de rebanho foi amplamente explorado por partidos políticos e líderes populistas ao longo da história, e o caso do bolsonarismo não foi diferente.
A obra caminha como um diário, narrando fatos ocorridos ao longo do “processo” e diz que ao longo dos últimos anos, vimos uma crescente polarização política, impulsionada por campanhas de desinformação que utilizavam técnicas sofisticadas para manipular a opinião pública. Como apontado pelo psiquiatra Fabiano Horimoto, que ganhou notoriedade após o lançamento do livro O dia da infâmia e a dissonância cognitiva, esse processo de manipulação resultaria em uma dissonância cognitiva coletiva. Segundo o autor, “a relação clara da dissonância cognitiva com o abandono da realidade dos radicais da extrema direita” foi um dos elementos centrais na criação dessa atmosfera de irracionalidade e histeria coletiva.
O papel das redes sociais e da mídia na operação psicológica
Para o autor, as redes sociais desempenharam um papel crucial na disseminação das narrativas que culminaram nos eventos de janeiro de 2023. A facilidade de compartilhamento de conteúdo, somada ao anonimato e à velocidade de propagação de informações, foi um fator determinante para a radicalização de muitos dos participantes dos atos antidemocráticos.
Como mencionado em um artigo recente publicado pela Revista Sociedade Militar, de fato o Exército Brasileiro manteve nos últimos anos vários militares com formação em operações psicológicas lotados no Centro de Comunicação Social (CCOMSEX), órgão responsável pela administração dos perfis oficiais da instituição nas redes sociais. Com mais de 8 milhões de seguidores, esses militares teriam – segundo indica o livro – utilizado suas habilidades para influenciar as emoções e atitudes de grande parte da população, promovendo a desinformação e incitando de forma implícita as ações contra instituições democráticas.
Para o autor essa estratégia de manipulação, no entanto, não teria se limitado ao Brasil. Movimentos semelhantes podem ser observados em outros países, como apontado no livro O dia da infâmia e a dissonância cognitiva. O autor destaca que a ascensão do populismo de direita, tanto no Brasil quanto em outras nações, segue um padrão semelhante, no qual a manipulação emocional e a desinformação são os principais instrumentos de controle social.
A psiquiatrização do extremismo: um fenômeno social alarmante
O livro aponta que em meio ao caos dos eventos de janeiro, um aspecto que chamou a atenção dos estudiosos foi a radicalização extrema e o comportamento irracional de muitos dos envolvidos. Estudos recentes apontam para a “psiquiatrização” da extrema direita, um processo pelo qual comportamentos que outrora seriam considerados marginais ou irracionais passaram a ser aceitos e até incentivados.
No livro O dia da infâmia e a dissonância cognitiva, o psiquiatra Fabiano Horimoto argumenta que a criação de realidades paralelas, alimentadas por teorias da conspiração e desinformação, levou muitas pessoas a surtos psicóticos e à histeria coletiva. Segundo o autor, “trata-se de um quadro resultante de ampla ‘Operação Psicológica’ cívico-militar que envolveu grande parte da sociedade através de ações coordenadas no espaço político, religioso, cultural e midiático”.
O autor aponta que um dos comentários mais impactantes sobre esse processo foi feito por um usuário de redes sociais, que afirmou: “O discurso de ódio e a desumanização não criam uma narrativa. Criam uma realidade e mudam, para sempre, a história”. O depoimento sintetiza o impacto profundo que a manipulação psicológica pode ter na sociedade, transformando crenças e comportamentos de forma irreversível.
Em um dos trechos finais da obra o autor cita Robert Oxton Bolt, dramaturgo e vencedor do Oscar: “Uma crença não é meramente uma ideia que a mente possui, é uma ideia que possui a mente”.
Citações: Gretzitz, J. Roteiro de um Golpe Fracassado – Operações Psicológicas/ Horimoto, Fabiano. O dia da infâmia e a dissonância cognitiva: um retrato do ódio através da Psicologia/ Revista Sociedade Militar, A guerra nas redes: os coronéis especializados em operações psicológicas na comunicação com 8 milhões de seguidores do Exército, 2024.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar