A questão nuclear iraniana já vem de longa data, com muito já discutido e trabalhado internacionalmente. Com os conflitos ocorrendo com Israel e o Eixo da Resistência Islâmica, e especialmente após os últimos eventos que envolveram diretamente o Irã, esse assunto toma maior relevância, evidentemente agora que a retórica israelense (em sintonia com a americana) se dirige ao ataque direto ao território iraniano, em retaliação ao bombardeio persa ocorrido a poucos dias.
Apesar de banido em 2003 pelo Aiatolá Ali Khamenei, o desenvolvimento de armamento nuclear pelo Irã ainda é algo muito debatido, não apenas internacionalmente, mas dentro do país, visto a crescente agressividade israelo-americana contra seus interesses nos últimos anos, levando às altoridades iranianas a repensar a abordagem ao tema, como declarado por Kamal Kharrazi, conselheiro do Aiatolá, em maio deste ano – “Não decidimos construir uma bomba nuclear mas caso a existência do Irã seja ameaçada, não teremos escolha a não ser mudarmos nossa doutrina militar“. Segundo a Rede de Notícias Estudantis do Irã, ele teria dito: “No caso de um ataque às nossas instalações nucleares pelo regime sionista, nossa dissuasão mudará”.
Em Julho, o Secretário Antony Blinken declarou que o Irã estava a uma ou duas semanas de conseguir material suficiente para a criação de um artefato nuclear, motivo de grande preocupação por parte dos Estados Unidos da América e obviamente de Israel. O Foundation for Defense of Democracy, um think tank ligado a Israel com sede em Washington, alegou em 2019 que o Irã havia construido locais de testes nucleares subterrâneos desde os anos 2000, conhecido como “Projeto Midan”, declarando que “Usando informações geoespaciais corroborantes e disponíveis abertamente, identificamos a localização provável (em uma área a sudeste de Semnan) onde testes subterrâneos de explosivos não nucleares foram conduzidos em 2003 como parte do desenvolvimento de métodos sísmicos para medir o rendimento de um explosivo nuclear subterrâneo.”
Os tremores: terremoto ou teste?
No domingo, dia 5 no local (ainda sábado no Brasil), um terremoto de magnitude 4.6 na escala Richter foi registrado no deserto de Kavir, a cerca de 44 km de Semnan, no Irã. Embora a notícia tenha passado inicialmente como apenas mais um abalo sísmico, analistas e observadores atentos rapidamente começaram a levantar e cruzar informações e a considerar outra possibilidade, afinal a localização e as características desse tremor despertam uma série de questionamentos estratégicos, especialmente considerando que o deserto de Kavir, historicamente, não costuma ser epicentro de atividades sísmicas dessa natureza.
A região afetada pelo suposto terremoto está relativamente próxima de várias instalações militares e complexos de pesquisa nuclear iranianos, incluindo Semnan, conhecido por abrigar infraestruturas sensíveis e de alta segurança. Para muitos, essa proximidade indica algo além do mero acaso geológico.
Obviamente, apenas isso não quer dizer nada, já que seria possível um terremoto ali, e o que existe nesta região não teria relação, podendo ser apenas uma coincidência, por isso outras informações são importantes de serem levadas em conta também.
Algumas das informações que logo vieram à tona após os tremores, próximo ao Irã, que apontou características inusitadas do episódio, começando pela ausência de tremores precursores/premonitórios (embora nem sempre aconteçam) e também das réplicas, os tremores secundários após o principal, mas também, segundo pesquisadores, falta uma onda sísmica compressiva, tornando o evento mais consistente com uma explosão do que com um terremoto.
Na internet surgiram comparações com testes nucleares e terremotoso ocorridos no Paquistão, na India, na Rússia (teste nuclear ainda como URSS) e na Coréia do Norte. Observando os tremores de outros eventos, podemos perceber semelhanças, especialmente com os casos dos testes nucleares paquistanês e indiano. Na imagem a seguir, os tremores registrados estão em vermelho para as explosões e em azul para os terremotos.
É claro que estas informações todas não podem confirmar que o ocorrido se trata ou não de um terremoto ou um teste nuclear, mas as discussões sobre a possibilidade de ter sido uma explosão, são totalmente pertinentes.
Em caso positivo, então por quê agora?
Como mencionado anteriormente, após o bombardeio contra Israel do dia primeiro, Israel tem declarado abertamente que irá retaliar, e alguns membros do alto-escalão do governo dizem em atacar o programa nuclear iraniano. Não apenas se trata da ameaça de um ataque contra o território do Irã, mas contra um projeto estratégico do país, e pior ainda, ativos atômicos (materiais, equipamentos e estrutura), com o risco de desastres radioativos na região.
Por este motivo, até mesmo os estadunidenses estão oficialmente trabalhando para que atuem em conjunto com Israel contra outros ativos iranianos, especialmente contra a infraestrutura petrolífera, de modo a atingir economicamente o país, e convencer eles a não atacarem o programa nuclear.
O Irã, por sua vez, não apenas em sua retórica, têm demonstrado repetidamente que estão se preparando para responder a qualquer ataque por parte de Israel e EUA, e que realizariam ataques mais severos, de modo a restaurar sua dissuasão. Neste contexto, fica claro que caso tenham sido provocados os temores por uma explosão nuclear de um teste subterrâneo, isso foi uma mensagem poderosa.
Diferentemente do que muitos pensam, grande parte do trabalho feito nas relações internacionais, é feito nos bastidores e majoritariamente não chegam ao conhecimento público. Muitas mensagens e acontecimentos ocorrem de forma velada ao público geral, por diversos motivos. Neste episódio, nenhuma declaração oficial foi dada sobre o evento por iranianos, norteamericanos ou israelenses, o que levanta ainda mais as suspeitas mundo afora.
Implicações de um Irã nuclear e um ataque israelense
A possibilidade de um Irã nuclear levanta preocupações elevadas entre líderes ocidentais e médio-orientais. Para os Estados Unidos e seus aliados, isso representa um ponto de tensão adicional, com o Irã demonstrando que possui a total capacidade de causar danos da mais alta gravidade, levando a uma considerável alteração no equilíbrio de poder em toda a região, e pode-se pensar até em escala global (especialmente pensando em suas alianças formando um bloco oriental).
O Irã pode estar aproveitando a janela de incertezas e mudanças geopolíticas para reforçar seu posicionamento, um movimento que apesar de arriscado, destaca sua intenção de ser levado a sério em seus interesses e em qualquer discussão sobre o equilíbrio de poder no Oriente Médio. É justamente por esta reviravolta na equação que Israel abomina essencialmente o programa nuclear iraniano e quer impedi-lo de ser concluído.
Entretanto, um ataque israelense pode ter consequências ainda mais prejudiciais. Como descrito pela Al-Jazeera, no contexto das escaladas em Abril, “Esse novo nível de escalada seria ainda maior do que o nivelamento do consulado do Irã na Síria, uma violação sem precedentes do Direito Internacional, […] não apenas forçaria o Irã a montar uma resposta militar ainda mais forte, mas provavelmente também levaria o Eixo de Resistência […] ao mais alto nível de ação contra Israel desde o início da devastadora guerra em Gaza.”
Com isso, não apenas Israel estaria na iminência de sofrer pesados e constantes ataques, ainda com a possibilidade da destruição de sua única instalação nuclear em Dimona (que poderia causar danos por radiação), simultaneamente com o grave prejuízo de sua imagem no Sistema Internacional, que já está consideravelmente agravado pela crise em Gaza e agora no Líbano também.
Considerações Finais
Ainda é cedo para afirmar com certeza o que aconteceu no deserto de Kavir, mas as circunstâncias falam por si. Se o terremoto foi de fato um teste nuclear, o Irã conseguiu sua demonstração de força sem precisar anunciar abertamente. Em tempos de tensão elevada, um evento como esse serve para reforçar a posição iraniana frente a seus oponentes e, ao mesmo tempo, enviar uma mensagem implícita, mas contundente, aos que observam de perto – felizmente, uma mensagem para evitar o escalonamento, apesar de ser uma ameaça.
O que fica claro, entretanto, é que o jogo de poder no Oriente Médio continua se intensificando – e o Irã não hesitará em manter sua linha de defesa ativa e bem visível para os que tentam limitar sua esfera de influência. Enquanto isso, restará aos especialistas e observadores internacionais o desafio de discernir entre as coincidências e indicar se foi ou não um terremoto ou um teste nuclear.