As farmácias do Brasil adotaram um novo modelo de negócios que tem gerado lucros bilionários ao utilizar dados de saúde de seus clientes para direcionar publicidade segmentada. Ao fornecer o CPF em troca de descontos, os consumidores, muitas vezes sem perceber, estão permitindo que suas informações de saúde sejam coletadas e usadas para alavancar as vendas das redes farmacêuticas. De acordo com uma reportagem da jornalista Amanda Rossi, do UOL, esse esquema está em plena atividade, com a RaiaDrogasil sendo uma das principais participantes por meio da RD Ads, empresa de publicidade do grupo.
Ao fornecer o CPF, os clientes têm acesso a descontos que podem ultrapassar 70%, mas acabam alimentando um banco de dados que guarda informações detalhadas, como histórico de doenças e medicamentos utilizados. A RaiaDrogasil, maior rede de farmácias do Brasil, armazena informações de aproximadamente 48 milhões de clientes, que são posteriormente utilizadas para direcionar anúncios em plataformas como o YouTube e o Facebook, gerando lucros milionários.
Vitor Bertoncini, CEO da RD Ads, destacou em um podcast para investidores que essa prática é quase exclusiva do Brasil, pois, em outros países, como os Estados Unidos, pedir o CPF para fins comerciais seria algo impensável. Ele compara a prática ao uso do Social Security Number nos EUA, onde essa solicitação comercial poderia acarretar em problemas legais.
Embora os descontos oferecidos nas farmácias pareçam vantajosos, a reportagem sugere que os preços sem CPF são inflacionados de forma proposital. Um exemplo citado foi o preço de um medicamento, nimesulida, que custava R$ 31,78 sem CPF, mas caía para R$ 8,50 ao fornecer o número. Além disso, o mesmo medicamento é vendido por valores muito menores para órgãos públicos e hospitais, indicando que o preço cheio pode ser artificialmente elevado para incentivar a entrega dos dados pessoais.
Esses dados coletados vão muito além de simples compras de medicamentos. A RD Ads segmenta os consumidores em até 20 categorias, como “sênior debilitado” ou “sênior ativo”, o que permite direcionar anúncios ainda mais precisos. Um caso destacado na matéria revelou que a segmentação de pais com filhos pequenos resultou em um aumento de 20% nas vendas de produtos infantis.
No entanto, o uso de dados de saúde para fins comerciais ainda levanta debates sobre privacidade. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) considera as informações de saúde como dados sensíveis, exigindo maior cuidado e proteção. Apesar da RaiaDrogasil afirmar que os dados são anonimizados, há dúvidas se essa prática é suficiente para garantir o cumprimento da lei.
Além do CPF, a coleta de dados biométricos também já foi alvo de polêmicas. Em 2021, farmácias que solicitavam impressões digitais para conceder descontos foram alvo de protestos, o que levou o Procon e o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) a intervir. A exigência da biometria foi suspensa, mas o pedido do CPF permanece comum.
Os brasileiros que desejam saber quais dados suas farmácias têm armazenado podem recorrer aos direitos garantidos pela LGPD, que permite o acesso e a correção ou exclusão dessas informações. É possível solicitar esses dados diretamente nas farmácias ou via seus sites.