No livro “1984”, de George Orwell, o estado de vigilância é uma presença constante e opressora na vida dos cidadãos. Imagine viver em um mundo onde cada movimento seu, cada palavra dita e até mesmo seus pensamentos são monitorados de perto pelo governo. As teletelas estão em todos os lugares – em sua casa, nos locais públicos – vigiando você sem parar.
Não há para onde fugir, não há momento de privacidade. A sensação de ser observado constantemente molda o comportamento das pessoas, levando-as a uma conformidade forçada.
Há muitas outras ferramentas usadas pelo poder totalitário do governo no livro de Orwell, como a Polícia do Pensamento – organismo nefasto, que mais lembra a paranoica Stasi alemã do pós-guerra do que a sangrenta Gestapo de Hitler.
A propaganda também é uma pinça poderosa para manipular a mente das pessoas, reescrevendo a história e distorcendo a realidade.
O estado de vigilância total não é apenas sobre controle físico, mas também sobre domínio completo da mente e do ânimo das pessoas.
O BIG BROTHER 2.0
Com a massificação da tecnologia informatizada, o pesadelo de Orwell começa a dar sinais de querer ressurgir. Uma reportagem especial da Folha de São Paulo trata do sistema de monitoramento social chinês.
O Partido Comunista Chinês tem exercido um dos sistemas de vigilância mais invasivos do mundo, especialmente contra ativistas e dissidentes políticos.
Durante a pandemia de coronavírus, essa vigilância atingiu níveis sem precedentes, monitorando praticamente todos os residentes urbanos sob o pretexto de prevenir infecções.
Segundo a matéria, a desaceleração da economia chinesa juntamente com o aumento dos protestos por salários não pagos e casas inacabadas, têm gerado preocupações.
As tensões com o Ocidente levaram Pequim a emitir alertas sobre a presença constante de espiões estrangeiros. Além disso, o Partido intensificou a vigilância sobre alguns grupos, tais como feministas, estudantes e ativistas dos direitos LGBTQIA+.
Com a pandemia de coronavírus o governo começou a rastrear os movimentos dos indivíduos até o minuto. Isso foi feito em grande parte por meio da tecnologia, exigindo que os residentes baixassem aplicativos de saúde móvel.
Essa obsessão vigilante pode cruzar fronteiras e chegar a lugares tão distantes como o Brasil ou isso seria mero conspiracionismo?
ASSIM COMO A CHINA ESTÁ PARA O BRASIL…
Imagine se o Governo brasileiro usasse um sistema de vigilância e monitoramento quase tão efetivo quanto o chinês.
Imagine que o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) opere e disponibilize para mais de 180 órgãos públicos uma poderosa plataforma de dados capaz de monitorar pessoas e veículos nas ruas em tempo real e, o mais estranho, sem autorização judicial.
Imagine que esse sistema pode já estar em uso há 3 anos. Imagine agora que essas suposições são simplesmente nada mais do que a realidade do Sistema Córtex.
O QUE É O SISTEMA CÓRTEX
O Sistema Córtex, de acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio de sua Secretaria de Operações Integradas é resultado de um trabalho em prol da integração das forças de segurança pública no combate às mais diversas modalidades de prática criminal.
Implantado no governo Bolsonaro, o sistema Córtex, é uma plataforma de monitoramento que já possui 55 mil usuários, entre civis e militares, e que funciona sem a necessidade de autorização judicial.
Originalmente concebido como uma ferramenta de segurança pública, esse mecanismo pode se tornar um instrumento de controle social, nos moldes do controle chinês, possivelmente servindo a interesses políticos e pessoais.
As funcionalidades do Córtex “são de uso exclusivo para a atividade finalística dos operadores de segurança pública e sempre por agente público, cujo perfil de acesso esteja designado para operar a plataforma.”
Em sua lacônica apresentação — são apenas 6 evasivas linhas no site — o Governo Federal explica que os Órgãos de Segurança Pública poderão solicitar, nos moldes da Portaria nº 218, de 29 de setembro de 2021, “a adesão ao sistema de forma gratuita, e fazer a aplicação das suas funcionalidades por meio dos seus agentes públicos.”
INDÍCIOS DE CRIME VIA SENSORES
Dois itens, em particular, o VIII e o IX do artigo 4º, chamam bastante atenção na Portaria, e eles vão reproduzidos abaixo:
“VIII – atuação policial com monitoramento de alvos móveis: atividade desempenhada pelo profissional de segurança pública que exige o monitoramento de alvos móveis em regime temporal definido, com vista à consecução da atribuição legal de seu órgão;
“IX – atuação policial com busca de informações de alvos móveis: atividade desempenhada pelo profissional de segurança pública que exige a busca de informações de alvos móveis durante a execução de suas funções, com vista à consecução da atribuição legal de seu órgão; (…)”
O Item IV do artigo 5º lembra um pouco o sistema de vigilância chinês, de que fala a Folha de São Paulo:
“IV – cercamento eletrônico: módulo desenvolvido com o objetivo de operacionalizar as funcionalidades implantadas por webservices de interesse para a segurança pública, de modo a permitir ao usuário a consulta de informações de alvos móveis, o monitoramento de alvos de interesse de segurança pública e o recebimento de alertas de alvos com indicativo de criminalidade por sensores que possuem a tecnologia capaz de enviar tais informações; (…)”
Em nenhuma parte do documento há menção a qualquer órgão do Poder Judiciário ou ao Ministério Público.