Em 30 de março de 2020, um curioso e tenso embate em águas internacionais colocou um navio alemão de casco reforçado contra um barco-patrulha da marinha venezuelana. A bordo do Resolute, uma tripulação de 32 pessoas; no Naiguatá, 44 marinheiros. O incidente culminou inesperadamente no afundamento do barco venezuelano. Por sua vez, o navio de cruzeiro sofreu apenas danos superficiais – um contraste que, de certo modo, já antecipa as ironias que cercaram o caso.
Confronto e colisão: mal-entendido?
O Resolute, propriedade de uma empresa alemã e registrado sob bandeira portuguesa, estava a caminho da Ilha de Tortuga para realizar manutenção. No entanto, no meio do caminho, foi abordado pelo barco-patrulha venezuelano Naiguatá. Sob a alegação de invasão territorial, o Naiguatá disparou tiros de advertência. Posteriormente, os venezuelanos ordenaram que o cruzeiro seguisse até a Ilha de Margarita, dentro da Venezuela.
O capitão do Resolute solicitou tempo para consultar a empresa. Contudo, enquanto o capitão do Resolute aguardava, a aproximação agressiva do Naiguatá levou a uma situação inusitada: o barco da Marinha começou a manobrar perigosamente próximo ao navio de cruzeiro. Então, em uma reviravolta inesperada, o Naiguatá colidiu com o Resolute. O mais curioso é que, no final, não foi o cruzeiro de casco reforçado que afundou.
“Agressão imperialista” do navio alemão?
Após a colisão, o governo venezuelano, liderado pelo presidente Nicolás Maduro, acusou o capitão do Resolute de pirataria. Posteriormente, Maduro sugeriu que o navio alemão poderia estar “transportando mercenários” para atacar a Venezuela. Além disso, o ministro da Defesa da Venezuela não economizou nas palavras, chamando o incidente de “agressão imperialista”. No entanto, a acusação gerou perplexidade entre analistas internacionais, já que o Resolute, um cruzeiro de turismo projetado para enfrentar mares congelados, parecia um improvável veículo para operações militares clandestinas. Ainda assim, a retórica incendiária alimentou um forte discurso contra “potências estrangeiras”, mesmo com o cenário apontando para uma simples colisão no mar.
Uma análise mais técnica do incidente, conduzida pelo Gabinete de Investigação de Acidentes Marítimos de Portugal, trouxe uma possível explicação: o Naiguatá teria sofrido uma espécie de “sucção” quando se aproximou do Resolute. Esse efeito, resultante da diferença de velocidade e proximidade entre os barcos, teria tirado o controle do patrulheiro venezuelano, causando a colisão fatal. Em uma conclusão ambígua, o relatório afirmou que, embora a intenção da Marinha venezuelana fosse ostensiva, a colisão em si pode ter sido parcialmente acidental, agravada pelo tipo de manobra realizada pelo Naiguatá.
Análise final
Após o impacto, o Resolute informou o Centro Internacional de Coordenação de Resgate Marítimo (MRCC). Contudo, recebeu ordens para não interferir, já que a tripulação do Naiguatá receberia resgate da própria Marinha venezuelana. Cerca de uma hora após o incidente, a embarcação alemã foi liberada para seguir rumo a Curaçao, afastando-se definitivamente do território venezuelano e encerrando ali seu contato com a crise.
O caso deixou questões no ar: um barco-patrulha armado venezuelano que naufraga ao se chocar com um cruzeiro turístico, projetado para resistir às águas polares, pareceu um confronto improvável e com tons tragicômicos. Ainda assim, a colisão em águas internacionais ressaltou o clima tenso das operações de segurança marítima na Venezuela e a fragilidade de sua diplomacia militar diante de uma crise interna. Em vez de uma vitória sobre o “imperialismo estrangeiro”, o episódio acabou sublinhando a vulnerabilidade da Marinha venezuelana em um confronto marítimo com um navio de turistas.
O incidente, apesar de não ter vitimado nenhum marinheiro, permanece como um exemplo de como mal-entendidos em águas internacionais podem inflamar crises e gerar episódios emblemáticos – e irônicos – nas relações entre nações.