Morte ficta é um instituto jurídico que permite reconhecer a morte de um militar, mesmo sem a confirmação de seu real falecimento. Imagine um militar que desaparece numa missão de alto risco, deixando sua família em situação de vulnerabilidade. A morte ficta surge como um “seguro social”, permitindo que os dependentes continuem a receber benefícios, mesmo sem prova cabal da morte do instituidor. Porém, esse entendimento não é incontroverso, e um deputado federal mostrou isso, ao criar um projeto de lei que promete dar muita dor de cabeça aos militares.
A Lei nº 3.765/60, em seu artigo 20 firmou o conceito explicado acima: “o oficial da ativa, da reserva remunerada ou reformado, que perder posto e patente deixará aos seus beneficiários a pensão militar correspondente ao posto que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço.”
E não são só os oficiais que se beneficiam do direito, os praças são citados a seguir, no parágrafo único do mesmo artigo 20:
“(…) a praça contribuinte da pensão militar com mais de 10 (dez) anos de serviço expulsa ou não relacionada como reservista por efeito de sentença ou em decorrência de ato da autoridade competente deixará aos seus beneficiários a pensão militar correspondente à graduação que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço”
A Realidade financeira da morte ficta
Então, de acordo com a legislação vigente, o mecanismo da morte fictícia visa garantir que as famílias dos militares não fiquem desamparadas financeiramente durante longos períodos de incerteza. A “morte ficta” é vista como uma forma de assegurar que os dependentes continuem a receber os benefícios a que teriam direito se o militar estivesse vivo.
Conforme reportagem da CNN, por ano, as Forças Armadas gastam cerca de R$ 25 milhões com pagamento de pensões aos parentes dos “mortos fictos”, como são chamados os militares que mesmo estando vivos, recebem a penalidade máxima de expulsão da corporação.
O valor é considerado de pequeno impacto dentro do pacote fiscal, e outros ajustes deverão ser considerados, como, por exemplo, a pensão paga às filhas.
Preso por sete vezes até virar um “morto-vivo”
Sem dúvida, o caso que trouxe aos holofotes os mortos vivos beneficiados pelo instituto da morte ficta foi o apoiador de ex-presidente Jair M. Bolsonaro, o major que foi expulso do Exército brasileiro, Ailton Barros.
Também conforme matéria da CNN, documentos do Superior Tribunal Militar (STM) obtidos pelo site de notícias revelaram que ele foi preso pelo menos sete vezes desde 1997 até ser expulso, em 2006. Naquele ano, reportagens mostraram a participação do então militar em um caso de desvio de armas do Exército para traficantes do Rio de Janeiro.
A família de Ailton foi amparada pelo instituto da morte ficta e a esposa do ex-major, Marinalva Barros, recebe pensão militar mensal de R$ 22,8 mil brutos, ou R$ 14,9 mil líquidos, desde outubro de 2008.
Golpe na sociedade brasileira
A lei 13.954/2019, conhecida como lei da reestruturação da carreira militar, causou mudanças consideráveis na legislação militar. Aumentou o tempo de serviço ativo, promoveu mudanças em alíquotas de contribuição previdenciária, entre outras particularidades. Mas, uma coisa que permaneceu intocada foi a figura da morte ficta.
Por isso, dizemos que o Projeto de lei nº 4336/2024 pode ser uma pedra no sapato dos oficiais generais do Exército, da Marinha e da Força Aérea brasileira.
O PL, de autoria do deputado Albuquerque – filiado ao Republicanos, por Roraima – revoga o art. 20 da Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960, que dispõe sobre as pensões militares, objetivando extinguir a pensão militar nos casos de perda do posto e da patente por oficiais ou da expulsão de praças.
Segundo ele, a sociedade brasileira não pode conviver com uma “situação, no mínimo esdrúxula, de termos um integrante das Forças Armadas, oficial ou praça, que seja excluído de suas fileiras por um comportamento indigno e, ainda assim, continuar recebendo, mesmo que indiretamente através de seus dependentes, pensão ‘eterna’ em vida.”
Albuquerque afirma que o “ex-militar mau caráter” por intermédio da aplicação da morte ficta é premiado com uma espécie de “aposentadoria prêmio proporcional” que se configura num “verdadeiro golpe na sociedade brasileira.“
Exército brasileiro sonega informações sobre morte ficta
O deputado cita uma reportagem do Estadão para justificar seu projeto de lei. Segundo a matéria, que tem dados de 2023, são 308 militares considerados “mortos fictos” (mortos fictícios), com 493 pensionistas, na Força Aérea e na Marinha, de acordo com dados obtidos e divulgados pela agência Fiquem Sabendo, especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI).
Segundo o Estadão, apenas o Exército brasileiro, não respondeu ao pedido de informações. De acordo com as Forças Armadas, 69 militares da Marinha e 239 da Aeronáutica estão entre os considerados “mortos vivos”– ou seja, perderam a patente e os direitos militares, mas mantiveram acesso à pensão.
Os valores pagos aos dependentes de militares da Marinha variam de R$ 656,73 a R$ 12.893,21, por mês. As cifras chegam a R$ 350 mil mensais para todos. Somente no ano passado, foram gastos R$ 4.463.253,13 apenas pela Marinha com pensões. A FAB não divulgou valores.
Abusos e necessidade urgente de reforma
Apesar das boa intenção inicial por trás da “morte ficta”, o seu uso tem gerado debates acalorados. Casos de abuso têm sido reportados, nos quais indivíduos forjam sua própria morte para obter benefícios indevidos, como pensões e aposentadorias. Essas fraudes não apenas comprometem a integridade do sistema militar, mas também podem gerar um impacto financeiro significativo na Administração Pública.
Há um crescente clamor por reformas legislativas que tornem o processo mais transparente e menos suscetível a abusos. Isso inclui propostas para estabelecer critérios mais rigorosos para a concessão do status de “morto fictício”, bem como mecanismos de auditoria para monitorar os benefícios concedidos. Diante das controvérsias, o futuro da “morte ficta” nas Forças Armadas pode passar por mudanças radicais brevemente.
Além disso, é essencial promover uma maior conscientização sobre as implicações legais e éticas da “morte ficta”. O debate deve incluir não apenas os aspectos jurídicos, mas também as questões sociais envolvidas, como o impacto sobre as famílias militares. A busca por soluções equilibradas pode resultar em uma legislação que proteja efetivamente os dependentes sem abrir espaço para fraudes.