Historicamente o Brasil viveu períodos de forte influência militar, especialmente durante o regime militar (1964-1985). Qualquer aproximação com nações de ideologia comunista – uma aliança Brasil-China seria impensável – era vista com desconfiança. O anticomunismo foi uma das principais bandeiras ideológicas, moldando tanto a política interna quanto as relações internacionais do país. A ideologia militar brasileira enfatizava a defesa da soberania nacional e da ordem social, percebendo o comunismo como uma ameaça estratégica. Contudo, esse quadro começa a mudar.
A Influência da ideologia anticomunista
A desconfiança histórica em relação ao comunismo persiste em alguns setores militares, que enxergam a China, apesar de suas reformas econômicas, como uma potência autoritária. Indício disso foi um dos slogans de campanha do ex-presidente Jair M. Bolsonaro (ele mesmo, capitão do Exército Brasileiro): “nossa bandeira jamais será vermelha”.
Essa percepção está enraizada no alinhamento histórico do Brasil com democracias ocidentais, o que reflete o legado da Guerra Fria e a polarização ideológica global.
- Um dos argumentos usados para justificar o Golpe Militar de 1964 que depôs o presidente João Goulart foi a suposta ameaça comunista que o Brasil estaria enfrentando sob aquele governo, embora historiadores não corroborem essa tese.
- Logo após o golpe, em 1964, o Brasil rompeu relações diplomáticas com Cuba, país comunista, e se aproximou dos Estados Unidos.
- Somente em 1974, durante o governo do general Ernesto Geisel, as relações diplomáticas com a China foram reatadas.
- A Ditadura Militar reprimiu duramente grupos e movimentos de esquerda no Brasil, muitos de inspiração comunista ou socialista, por meio de prisões, torturas, execuções e desaparecimentos forçados.
Temores pela soberania nacional
A crescente presença econômica e política da China na América Latina levanta preocupações entre os militares sobre possíveis impactos na soberania nacional.
Nas últimas décadas, a China emergiu como um dos principais atores no cenário global e um importante parceiro comercial do Brasil. No entanto, essa relação gera divisões dentro das Forças Armadas brasileiras, especialmente devido a preocupações geopolíticas e estratégicas.
Investimentos chineses em infraestrutura crítica, como portos, ferrovias e energia, são invariavelmente analisados sob a ótica de riscos à independência do Brasil em setores estratégicos. Essas preocupações são ampliadas por disputas geopolíticas globais, nas quais a China busca expandir sua zona de influência, rivalizando com os Estados Unidos.
A Aliança Brasil-China no contexto atual e a política pendular
Em artigo publicado na revista do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), intitulado “Uma política externa pendular entre EUA e China: o Brasil se protegendo para sobreviver” os autores argumentam que o Brasil deve adotar uma “política externa pendular” para navegar a crescente rivalidade sino-americana.
Os autores propõem que o Brasil deve simultaneamente se engajar em estratégias de “bandwagoning” (alinhar-se com a potência dominante, “siga o líder”) e “balancing” (contrabalançar a potência dominante), criando uma rede cruzada de acordos formais e informais para se proteger de consequências negativas e obter ganhos.
Eles defendem que o Brasil pode desempenhar um papel crucial, dada sua posição como membro fundador dos BRICS e membro prospectivo da OCDE. Tanto os EUA quanto a China veem o Brasil como um aliado axial e buscam atraí-lo para suas esferas de influência.
O artigo discute várias perspectivas teóricas sobre a rivalidade entre grandes potências, destacando as complexidades da posição brasileira. Segundo os autores, o sucesso do Brasil depende de garantir a liderança regional na América do Sul e de perseguir uma estratégia de hedging multifacetada em várias áreas políticas (político-estratégica, defesa, tecnológica, comercial e financeira) para manobrar habilmente entre as potências rivais.
Essa estratégia pendular é o mecanismo de ação de hedging (cobertura) em política externa, ou seja, uma estratégia de seguro que busca proteger o país contra eventuais crises sistêmicas geradas pela bipolarização – neste caso EUA-China.
Velhas ideias, novas realidades geopolíticas
Apesar da resistência de setores mais conservadores, há também vozes dentro das Forças Armadas que reconhecem a necessidade de uma abordagem mais “pé-no-chão” em relação à China. A interdependência econômica entre os dois países é um fator decisivo, com a China desempenhando um papel crucial como o maior parceiro comercial do Brasil, especialmente no comércio de commodities.
Além disso, o contexto da geoeconomia e a crescente importância dos BRICS destacam a relevância de uma cooperação equilibrada com Pequim. Essa parceria também pode abrir oportunidades para o Brasil ampliar sua participação em áreas de tecnologia, energia renovável e investimentos globais, sem comprometer sua soberania ou suas alianças geopolíticas tradicionais.
Nesse contexto, é que naturalmente pode-se inserir a postagem no X-Twitter do general de exército da reserva Paulo Chagas, crítico ferrenho do governo Lula, mas que em sua defesa da aliança Brasil-China, mostrou-se como uma das vozes dissonantes entre a classe militar.
“É a lei do mercado”
Segundo Paulo Chagas, “a disposição contínua do governo chinês para investir em infraestrutura essencial no Brasil, como ferrovias e portos, é um ponto de destaque, porquanto esses investimentos têm o potencial de reduzir custos logísticos e aumentar a eficiência das exportações, beneficiando não apenas o comércio entre os dois países, mas também fortalecendo suas posições em mercados globais.”
Justificando seu posicionamento por questões de mero pragmatismo, o general de quatro estrelas continua: “o fortalecimento das relações bilaterais entre Brasil e China merece, portanto, uma avaliação pragmática, visando impulsionar o crescimento econômico de ambos os países em um momento de mudanças significativas no cenário internacional.”
No fim de seu pequeno libelo sobre a aliança Brasil-China , o militar arremata: “a recente declaração do presidente Xi Jinping sobre ‘abrir novas rotas de navegação’ e de ‘agarrar oportunidades futuras’ vai claramente ao encontro de interesses mútuos e de benefícios potenciais provenientes da cooperação econômica e comercial entre as duas nações.”
Questionado por um seguidor que ponderou que “a América é o estandarte das democracias ocidentais. Os valores americanos estão alinhados com os valores brasileiros.” o general Paulo Chagas respondeu: “O Brasil vai melhor com o que é melhor para ele, independente de cor ou ideologia. É a lei do mercado. Liberalismo!
Chagas termina com uma frase lapidar: “trata-se de uma oportunidade que o Brasil não deve ignorar.”