Vala comum em Damasco: um retrato sombrio de meio século de atrocidades na Síria
É exaustivo revisitar a tragédia da Síria, um país sobretudo marcado por décadas de opressão e violência. Agora, com o regime de Bashar al-Assad deposto, surgem os fantasmas de seu governo. Nesta semana, uma vala comum foi descoberta em al-Qutayfah, no sudoeste da Síria, e pode conter milhares de corpos. Estimativas dão conta de até 100.000corpos no local, a apenas 40km da capital Damasco. É apenas mais uma página sombria de uma história de terror e impunidade que se arrastou por 54 anos sob o domínio da família al-Assad.
Uma máquina de matar revelada
De acordo com Ugur Umit Ungor, professor de estudos sobre genocídio na Universidade de Amsterdã, essa descoberta é um reflexo direto da “máquina de matar” do regime. “A verdadeira dimensão dessas atrocidades só será conhecida nos arquivos do regime”, declarou. Ungor destacou a importância de tratar essas valas comuns com profissionalismo e urgência, evitando saques e preservando evidências cruciais para a identificação das vítimas na Síria.
O cenário é de desespero. A Human Rights Watch já encontrou corpos com sinais de execução em Tadamon, no sul de Damasco. Assim, as autoridades sírias de transição enfrentam o desafio de documentar essas evidências antes que sejam perdidas ou adulteradas.
Uma transição fragilizada
O novo governo interino, liderado por Ahmed al-Sharaa, promete justiça. De acordo com al-Sharaa, “não deixaremos que as atrocidades cometidas contra nosso povo sejam esquecidas”. Contudo, al-Sharaa, outro nome de Abu Mohammed al-Julani, carrega sua própria bagagem polêmica, já que muitos governos consideram sua facção, o Hayat Tahrir al-Sham (HTS), como terrorista. Isso complica ainda mais a legitimidade da transição e levanta dúvidas sobre a capacidade do novo governo de garantir justiça imparcial.
As valas comuns de al-Qutayfah são apenas a ponta do iceberg na Síria. Há registros de 12 outros locais similares no sul do país, onde corpos de mulheres e crianças apresentam sinais de tortura e execução. A inteligência da força aérea síria teria desempenhado um papel central no transporte de cadáveres das prisões para esses locais, de acordo com a investigação.
A maior ironia? Muitas dessas atrocidades ocorreram enquanto o mundo assistia de braços cruzados, oferecendo declarações vazias e promessas que nunca se concretizaram.