Por décadas, operações secretas das forças especiais dos Estados Unidos na África foram pouco divulgadas, mas permanecem no imáginário de quem se interessa por assuntos militares. Informações recentemente desclassificadas começam a fornecer um quadro mais detalhado das missões. Envolvendo treinamentos conjuntos, combate direto e ações clandestinas, essas operações refletem a crescente presença militar americana no continente.
Quem pensa que os EUA está se afastando está errado. Um exemplo de que operações coomplexas ocorreram há pouco tempo pode ser visto em um comunicado recente do Comando da África dos EUA (USAFRICOM), que divulgou uma declaração em 4 de março declarando seu envolvimento em uma operação: “A pedido do Governo Federal da Somália, o Comando da África dos EUA conduziu uma autodefesa coletiva contra o grupo terrorista al Shabaab em 2 de março. O ataque aéreo coletivo de autodefesa ocorreu em uma área remota nas proximidades, aproximadamente 45 km a nordeste de Kismayo. A avaliação inicial pós-ataque indica que o ataque aéreo dos EUA matou dois terroristas do al Shabaab e que nenhum civil foi ferido”.
Quem está por trás das operações secretas na África
As principais forças envolvidas nessas missões são unidades de elite das Forças Armadas dos EUA, especialmente o Comando de Operações Especiais (SOCOM). Entre os grupos mais atuantes estão:
- 3rd Special Forces Group (Forte Bragg, Carolina do Norte) – especializado em operações na África Ocidental e Central, seus soldados recebem treinamento em idiomas locais, incluindo francês, que é amplamente falado em algumas regiões, além de estudarem aspectos culturais e históricos do continente.
- SEAL Team 6 (DEVGRU) – responsável por missões de contraterrorismo e resgate de reféns, atuando pontualmente no continente.
- 160th Special Operations Aviation Regiment (Night Stalkers) – especializado em infiltração aérea e extração de tropas em condições adversas, frequentemente apoiando outras unidades de elite.
- Marine Raiders – a força de operações especiais do Corpo de Fuzileiros Navais, utilizada em missões de combate direto e assessoria militar, embora sua presença na África seja mais limitada.
Além dessas tropas, o Comando dos Estados Unidos para a África (AFRICOM) supervisiona a estratégia militar na região, justificando ações sob a chamada Seção 127e do Título 10 do Código dos EUA, que permite financiar forças estrangeiras para apoiar operações de contraterrorismo.
Por que os EUA realizam operações secretas na África
Os EUA justificam sua persistente presença militar na África sob a bandeira da luta contra o terrorismo. Organizações como Al-Shabaab (Somália), Boko Haram (Nigéria) e grupos afiliados ao Estado Islâmico e à Al-Qaeda representam ameaças à segurança regional e, por consequência, aos interesses americanos.
Além do contraterrorismo, há ainda os fatores estratégicos e econômicos. A África detém 40% das reservas globais de cobalto, essencial para baterias de íon-lítio utilizadas em tecnologias avançadas. O continente também possui petróleo, urânio e está estrategicamente localizado entre rotas comerciais cruciais que conectam a Europa ao Oriente Médio.
Ao mesmo tempo, a influência de potências como China, Rússia e França no continente intensifica a competição geopolítica. O Grupo Wagner, força paramilitar composta por mercenários em grande maioria de nacionalidade russa, por exemplo, vem substituindo a presença americana em países como Mali e Níger após frequentes golpes de Estado.
Como as operações secretas acontecem
As operações especiais na África variam de missões de treinamento de militares nativos a combates diretos. Algumas das mais conhecidas são listadas abaixo:
✅Emboscada no Niger (2017)
Em 4 de outubro de 2017 operadores de forças especiais norte-americanos operavam junto de militares locais no NIGER. Usavam várias viaturas e estavam em um grupo composto de 42 militares. Quatro soldados americanos e 4 soldados nigerianos faleceram em decorrência da emboscada. Os americanos mortos foram o Sgt La David Johnson, SGt Dustin Wrigth, Sgt Jeremiah Johnson e Sgt Bryan Black (Reportagem completa).
✅ Captura de terrorista em Benghazi (2014)
Após o atentado ao consulado dos EUA em Benghazi, que matou o embaixador americano em 2012, forças da Delta Force e do FBI capturaram Ahmed Abu Khattala em uma operação na Líbia. Ele foi levado para os EUA, julgado e condenado a 28 anos de prisão.
✅ Roubo de helicóptero soviético na Guerra Fria (1987)
Durante um conflito entre Líbia e Chade, um Mi-25, versão exportada do helicóptero de ataque soviético Mi-24 Hind, foi abandonado em um campo de aviação. O 160th SOAR realizou uma ousada operação para capturá-lo, transportando-o para os EUA para engenharia reversa.
✅ Ataque à base americana na Somália (2019)
Soldados da Guarda Nacional de Nova Jersey estavam estacionados em uma base aérea na Somália quando um ataque coordenado da Al-Shabaab tentou invadir a instalação. Graças a trincheiras escavadas previamente, veículos-bomba ficaram presos e foram neutralizados antes de atingirem seu objetivo.
✅ Resgate de refém no Níger (2020)
Philip Walton, um cidadão americano, foi sequestrado por um grupo armado na fronteira entre Níger e Nigéria. Em resposta, 30 operadores da SEAL Team 6 saltaram de paraquedas em território hostil, eliminaram os sequestradores e resgataram Walton sem baixas.
✅ Emboscada contra forças dos EUA no Sudão do Sul (2013)
Durante a evacuação de cidadãos americanos e da ONU em meio à guerra civil, três helicópteros MV-22 Osprey foram emboscados por forças rebeldes. As aeronaves foram alvejadas 119 vezes, três Navy SEALs ficaram gravemente feridos, mas a equipe conseguiu escapar.
O futuro da presença militar dos EUA na África
Nos últimos anos, o envolvimento americano na África tem sido questionado, especialmente após a retirada de tropas do Níger e de Mali. Golpes militares nesses países interromperam programas sérios de treinamento e cooperação militar, enquanto a Rússia e a China permanecem expandindo a sua influência na região.
Com o aumento da instabilidade e da presença de mercenários estrangeiros, as forças especiais dos EUA continuarão a operar no continente, seja por meio de ações diretas ou do apoio a forças locais. No entanto, a crescente oposição pública às intervenções estrangeiras pode limitar suas operações.
As missões secretas americanas na África são consideradas pelo país uma peça fundamental do xadrez geopolítico global, combinando interesses estratégicos, combate ao terrorismo e disputa por influência política entre grandes potências. Se essas operações terão continuidade e levarão estabilidade ou mais turbulência à região ainda é uma questão em aberto.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar